É crime e perseguição Bolsonaro desviar recursos do Bolsa Família dos nordestinos

A afirmação é do economista e pesquisador do Ibase, Francisco Menezes, que se refere as divergências políticas de Bolsonaro com os governadores da região e a pouca votação que teve na região em 2018

Érica Aragão, da CUT

A afirmação é do economista e pesquisador do Ibase, Francisco Menezes, que se refere as divergências políticas de Bolsonaro com os governadores da região e a pouca votação que teve na região em 2018

Escrito por: Érica Aragão

Agência Brasil
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Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, o aumento do desemprego, da extrema pobreza e de uma fila com milhares de famílias a espera do benefício como única fonte de renda para sobreviver, o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) e o seu ministro da Economia, Paulo Guedes transferiram quase R$ 84 milhões dos recursos do Programa Bolsa Família que seriam destinados ao Nordeste para a comunicação do Palácio do Planalto.
“A gente vê nesta situação uma configuração de perseguição aos estados do nordeste vindo de um governo guiado por interesses políticos individuais de uma forma criminosa”, afirma o economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Francisco Menezes, se referindo as divergências políticas de Bolsonaro com os governadores da região, lembrando também a pouca votação que Bolsonaro teve na região nas eleições de 2018.
A Portaria nº 13.474 publicada na semana passada é mais uma medida de Bolsonaro que ataca o Bolsa Família, especialmente no Nordeste, onde há mais de um ano o governo iniciou uma sequência de cortes, de famílias e recursos, do benefício. E ainda praticamente travou a entrada de mais beneficiários, que formou uma fila de espera de milhares de famílias, prejudicando principalmente estados do norte e nordeste.
Nos últimos doze meses, o número de famílias beneficiadas pelo programa no Nordeste foi reduzido e apenas 3% da população conseguiu o benefício. Enquanto nas regiões mais ricas do país, o Sul e o Sudeste, houve um aumento de 75% no número de novos beneficiários.
Para a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, não há outra palavra para descrever o que o governo Bolsonaro fez, é um ato criminoso mesmo tirar recursos de um benefício tão importante, especialmente em meio à pandemia.
“Bolsonaro quer destruir o sistema de proteção social conquistado com muita luta do movimento social no Brasil. Com cortes no bolsa família este governo jogando mais gente na miséria e é inadmissível em qualquer época, durante uma pandemia é um ato criminoso”, afirmou.
O economista do Ibase disse que ficou surpreso quando leu a portaria na íntegra, pois o governo sequer disfarçou que o destino dos recursos desviados do programa que atenderia famílias carentes da região Nordeste iriam ser gastos com publicidade do  governo.
“Um grande número de famílias está em uma situação de penúria enorme, agravada com a pandemia, e a comunicação deste governo está sendo investigada por patrocinar sites de fake news e ainda alojar em suas estruturas um Gabinete de Ódio que cria e dissemina milhares de informações mentirosas”, destaca Francisco.
Justificativa e as contradições na economia
A justificativa do governo para transferir os recursos do Bolsa Família para a publicidade foi a de que grande parte dos pagamentos do Bolsa Família em abril e maio foi financiado pelo programa de auxílio emergencial, aprovado pelo Congresso Nacional. Por isso, haveria uma ‘sobra no orçamento’.
“Com a sobra eles poderiam zerar a fila, conceder mais benefícios para o nosso povo do nordeste, que está passando mais dificuldade com esta pandemia, ou então destinar este recurso para a saúde, que tanto precisa para salvar vidas da população mais vulnerável. Mas não é essa a prioridade”, critica Jandyra.
Francisco diz que é mais uma vez o lado conservador e neoliberal que precisa ser discutido. Além claro, aponta ele, de ignorarem que investimentos nestas políticas sociais ajuda a economia brasileira e pode ser até uma saída para a crise sanitária instalada no país.
Segundo o economista, o país tem duas pesquisas que mostram que o dinheiro transferido para estas populações são destinados ao consumo de alimentação, vestuário, remédios e até materiais escolares, considerados essenciais para este público. E que é este consumos que fortalece a economia local e que traz receita e pagamento de impostos, girando assim a economia macro também.
“Para nós a questão é a prioridade da destinação do dinheiro. Desde 2016, a desigualdade voltou a crescer, junto com a extrema pobreza, e naquela época tínhamos um governo neoliberal que na promessa de equilibrar as contas tirou mais de R$ 30 bilhões de reais de programas importantes, como a saúde. E não só não equilibrou conta nenhuma como ainda deixou o povo mais vulnerável ainda”, disse ele se referindo ao governo do golpista Michel Temer.
Cálculos de técnicos ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo mostraram que o valor retirado do Bolsa Família seria suficiente para atender 70 mil famílias em um mês, pagar 140 mil auxílios emergenciais e comprar 3.500 respiradores.
Reação imediata
No dia seguinte à publicação da portaria, procuradorias gerais dos nove Estados nordestinos acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que o governo federal restabeleça os valores retirados do orçamento do programa para a região.
No documento da ação, dados do Ministério da Cidadania revelam que os Estados da Região Nordeste continuam sendo penalizados pela gestão do programa de distribuição de renda do Governo Federal na pandemia.
Segundo nota da Procuradoria Geral do Rio Grande do Norte, o processo será avaliado pelo Ministro do STF, Marco Aurélio Melo, que já avaliou o pedido e considerou que há um estado de calamidade pública no país e que a concentração de cortes do benefício na Região Nordeste configura discriminação.
“A postura de discriminação, ante enfoque adotado por dirigente, de retaliação a alcançar cidadãos – e logo os mais necessitados –, revela o ponto a que se chegou, revela descalabro, revela tempos estranhos”, afirmou na ocasião o Ministro Marco Aurélio.
Mais ataques
O Bolsa Família enfrenta, sob Bolsonaro, o período mais longo de baixo índice de entrada de novos beneficiários da história do programa.
Neste ano, o governo ainda não abriu espaço no Orçamento para a 13ª parcela do programa, promessa de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Mas o governo já informou que, nos próximos meses, continuará reduzindo o orçamento do programa social, pois avalia que os recursos não serão necessários com a folga dada pelo auxílio emergencial, sem citar planos para reduzir a fila de espera.
Auxilio Emergencial
Temporariamente, durante a pandemia, o valor depositado a quase todas as famílias será o mesmo do auxílio emergencial dado a trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores e desempregados – R$ 600 (R$ 1.200 para mães chefes de família).
O programa atende famílias com filhos de 0 a 17 anos e que vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 89 mensais, e pobreza, com renda entre R$ 89,01 e R$ 178 por mês. O benefício médio foi de R$ 191,86 até março.
Aumento da pobreza
A renda dos 5% mais pobres no Brasil caiu 39% entre 2014 e 2018 e o contingente da população em extrema pobreza aumentou em 71,8% nesse período, com inclusão de 3,4 milhões de novos pobres extremos.
As informações são do FGV Social, da Fundação Getúlio Vargas, que atribui esses dados à crise econômica e a desajustes no programa Bolsa Família.
Bolsa Família
Criado em 2003, no primeiro mandato do presidente Lula, o Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda do mundo, com atendimento de pouco mais de 40 milhões de pessoas.
Focado em crianças e famílias abaixo das linhas de extrema pobreza e pobreza estimadas pelo governo, o benefício é oferecido através de um cartão magnético em posse das mães e/ou mulheres da família em 90% dos casos.
O valor de elegibilidade inicial ao benefício básico, hoje em R$ 89 reais por pessoa, é bem próximo da linha mais baixa de pobreza das metas do milênio da ONU no valor de US$ 1,25 por dia ajustado por paridade de poder de compra que serviu de inspiração na adoção da linha oficial de pobreza e dos critérios do Bolsa Família em 2011.