Carta das Mulheres

Tribunal de Justiça de SP tem canal para denúncias de violência contra as mulheres

Projeto Carta das Mulheres foi elaborado para dar informações sobre como e quem procurar em casos de violência contra a mulher. Desde abril já foram mais de mil denúncias

Marcos Santos/USP

Andre Accarini, da CUT

A violência contra a mulher, que sempre existiu, aumentou de forma significativa durante a pandemia do novo coronavírus, período em que o confinamento fez com que elas ficassem mais próximas e expostas à violência praticada por seus companheiros agressores. Um relatório produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no início do mês de junho, mostrou que os casos de feminicídio no Brasil crescerem 22,2% entre março e abril deste ano, justamente os primeiros meses da quarentena.
Entre as várias propostas que surgiram neste período para proteger as vítimas,  o projeto “Carta de Mulheres”, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),  permite às mulheres denunciarem seus agressores apontando caminhos para o pedido de ajuda, por meio de preenchimento de um formulário pela internet.
A partir dos relatos, são informados telefones, e-mails, instituições e órgãos de defesa da mulher, para que quando ela se sinta preparada possa busca a melhor alternativa para se proteger.
O projeto surgiu a partir da verificação da necessidade tanto das vítimas quanto de quem tenta prestar auxílio, de obter informações corretas sobre quais possibilidades e caminhos devem ser seguidos para prestar assistência a essas mulheres.
“Sabemos das dificuldades de essas informações chegarem às pessoas. Não é fácil saber quais são os serviços, as possibilidades e, dependendo do tipo de violência, o que, quem e como procurar ajuda”, diz a juíza a juíza do TJSP Teresa Cristina Cabral Santana.
Ela afirma que esse tipo de informações foi o motivo de o TJSP desenvolver o projeto para que a vítima ou quem queira ajudar possa, de alguma forma, contribuir para ter informações.
O resultado, segundo a juíza, tem sido positivo. “Temos percebido que as mulheres têm se sentido, de alguma forma, amparadas. Por isso acreditamos que é uma política pública necessária para esse tipo de proteção”.
A magistrada faz parte da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário (Comesp). Levantamento feito pela Comissão mostra que entre 7 de abril e 22 de julho, o Carta de Mulheres recebeu mais de mil denúncias, mais da metade delas (555) da capital, grande São Paulo e litoral paulista.
Apontados como agressores estão maridos, companheiros, ex-maridos, namorados e até mesmo filhos. De acordo com o relatório da Comesp, as vítimas apontam e confirmam que pandemia agravou a violência.

Cresce a violência

A ex-secretária-adjunta de política para mulheres da prefeitura de São Paulo durante a Gestão de Fernando Haddad, Dulce Xavier, avalia que a convivência maior durante a pandemia, com parceiros que já apresentavam comportamento dominador e agressor, fez com que as situações de relacionamentos abusivos aumentassem e resultassem em mais violência contra a mulher.
“Aumentou a violência porque as pessoas estão ficando confinadas, mas a violência contra a mulher já existia e com índices altos. Antes da pandemia o Brasil já era o quinto país que mais matava mulheres em todo o mundo e a partir do momento em que todos passaram a ficar em casa a violência aumentou”, diz.
Dulce Xavier esclarece também que não é a pandemia a causa da violência contra a mulher e sim o machismo e a cultura do patriarcado na sociedade, em que o homem ainda é considerado o “chefe da família”, mesmo que a Constituição de 1988 tenha determinado a igualdade de gêneros.
Ela reforça que quando já há uma situação de abuso, com a convivência mais próxima a tendência é que os conflitos aumentem.
“Muitos desses conflitos tem origem na própria divisão de tarefas dentro de casa que deixa as mulheres sobrecarregadas, com maior responsabilidade. É a divisão sexual do trabalho, em que homens não querem participar das atividades domésticas”, Diz Dulce.
“Com essa sociedade patriarcal, ai da mulher que se recusa a ficar nessa caixinha,” complementa a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista. De acordo com ela, há mulheres, em tempos de pandemia, que são obrigadas a ficarem confinadas com seus agressores, aumentando seus riscos e, por outro lado, aumentando o medo delas no sentido de buscar ajuda ou denunciar os casos.
Por isso, iniciativas como a Carta das Mulheres são fundamentais para que as mulheres consigam denunciar e escapar da violência, diz Juneia.
Para ela, também contribui para o aumento da violência contra as mulheres o cenário nacional. O presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) não coordena uma ação nacional para combater a pandemia e também não apresenta proposta de aquecimento da economia, com geração de emprego e renda e, consequentemente, contribui para o aumento do caos social.
“Estamos em uma pandemia, uma crise econômica e sanitária como nunca se viu e com um desgoverno total, um Estado opressor que acaba com investimentos em políticas públicas”, diz Juneia se referindo ao fim da destinação de recursos para políticas de proteção à mulher e aumento de recursos em publicidade do governo.
A denúncia desses casos, para Juneia, é o caminho para a ‘sobrevivência’. “Sonho muito que as mulheres consigam escapar da violência, e para isso elas têm que seguir denunciando, seguir na sua luta pelo direito de ser um ser humano”, conclui.

Carta das Mulheres

Ao acessar o formulário (link novamente aqui), a vítima ou a testemunha que quer denunciar casos de agressão, precisa preencher as informações necessárias.
A primeira delas é um e-mail para contato, seguida de informações da vítima. São elas, nome ou apelido, o gênero (feminino masculino ou outro), a idade e cor ou raça. Também deve preencher com o nome ou apelido do agressor, a relação dele com a vítima (se namorado, cônjuge ou familiar) e o tipo de violência sofrida.
Na sequência outros dados como endereço de quem está denunciando e endereço da vítima.
Há também o campo “Pergunta” para esclarecimento de dúvidas.
A página informa que é comum vítimas e testemunhas de violência terem dúvidas sobre os procedimentos legais para cada tipo de caso e a quem recorrer. E que, com o relato, a Comesp informará qual o serviço mais adequado na rede de atendimento. O TJSP afirma também que o sigilo das informações é garantido.
Escrito por: Andre Accarini, da CUT