Bilionários somam US$ 176 bi enquanto metade da população ganha R$ 554,00 ao mês

Riqueza de bilionários brasileiros cresce 38%. Juntos eles têm US$ 176 bi, enquanto 105 milhões de brasileiros vivem com apenas R$ 554,00 ao mês. Para economista, capitalismo escancarou a concentração de renda

VLADIMIR PLATONOW/AGÊNCIA BRASIL

Andre Accarini, da CUT

Escrito por: Andre Accarini

Enquanto a CUT, centrais sindicais, movimentos populares e partidos de oposição travam uma batalha no Congresso Nacional para que um mínimo de dignidade e condição de sobreviver sejam garantidas a mais de 67 milhões de brasileiros que foram beneficiados com o auxílio emergencial de R$ 600,00, os bilionários brasileiros aumentam suas riquezas.

E isso, em plena pandemia do novo coronavírus (Covid 19), que sacrifica a economia brasileira, penaliza esses trabalhadores de menor renda, além de pequenos e médios empresários que sofrem com a falta de uma política de crédito efetiva e eficiente por parte do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), para que possam, minimamente, sobreviver.
De um lado, o governo corta o valor do auxílio de R$ 600,00 para R$ 300,00, dificultando a vida de desempregados e trabalhadores informais que tiveram no benefício, desde o início da pandemia, sua única fonte de renda e dificulta o acesso ao crédito para as pequenas e médias empresas.
De outro lado, o seleto rol de brasileiros, que até chegou a ‘perder dinheiro’ no início deste ano, mas cuja soma de riquezas chega a uma fortuna de US$ 176,1 bilhões ante US$ 127,1 bilhões em 2019, alta de 38% na comparação com o ano passado.
A soma da riqueza dos bilionários de todo o mundo chegou a impressionantes US$ 10,2 trilhões, valor que representa um aumento de US$ 2,2 trilhões, graças à forte alta nos mercados de ações.
A concentração de renda pode ser mensurada na comparação com a faixa dos 10% mais pobres da população brasileira (21 milhões de pessoas) que teriam o rendimento mensal de apenas R$ 11,00, não fosse o auxílio emergencial. Com o benefício de R$ 600,00, esse valor chega a R$ 239,00.
Na escala, a segunda faixa dos mais pobres (outros 21 milhões de pessoas) teria rendimento mensal de R$ 146,00 (sem o auxílio ) e R$ 353, 00 (com o benefício).
Metade da população brasileira (105 milhões de pessoas) vive com, no máximo, R$ 554 reais por mês. Com o auxílio, a renda chega a R$ 673,00.
O abismo social é imensurável, de acordo o economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),  Eduardo Costa Pinto. “Falamos do homem mais rico do Brasil ter R$ 11 bilhões e na outra ponta, pessoas que ganham R$ 11 reais por mês”, diz.
Segundo ele, “ em momentos de crise o que acontece é a concentração e centralização de capitais. Aqueles que têm maior capacidade de resistir à crise e reduzir suas perdas são os que conseguem até lucrar”, diz o economista ao explicar que ganha mais dinheiro quem tem mais dinheiro.
O primeiro exemplo é o segmento formado pelo sistema financeiro, grupo que, no início da pandemia acabou perdendo parte de suas riquezas, mas logo recuperou. Isso porque, segundo o economista, o “preço da riqueza financeira deles caiu”. Ele se refere aos valores dos títulos da dívida pública que foram reduzidos pelo Banco Central.
“Quando há uma crise, investidores correm para o caminho de maior rentabilidade e segurança, que são ativos financeiros, como os títulos da dívida pública. No começo da crise sanitária o valor chegou a cair, mas logo se recuperou quando o governo injetou cerca de R$ 1,2 trilhões para aumentar a liquidez dos bancos”, explica Eduardo.
Ele ressalta que esse valor poderia ter sido destino a crédito para as pequenas e médias empresas e ao cidadão comum, com condições especiais, no entanto, ficou com os próprios bancos, que adquiriram esses títulos. Os ativos financeiros representam 70% da riqueza dos bilionários.
“As pequenas e médias empresas, os cidadãos, não tiveram acesso. Os bancos compraram títulos da dívida pública e ficaram com esse dinheiro. E quando compraram, o preço subiu, as ações subiram e eles ficaram ainda mais ricos em plena queda de 7% do PIB no Brasil”, diz o economista da UFRJ.

Mas quem são, como ganham e o que fazem esses bilionários?

O número de bilionários em todo o mundo passou de 2.158 em 2017 para 2.189 em 2020, segundo o banco suíço UBS e a PwC.
No Brasil, empresários como Luciano Hang, dono da rede varejista de lojas Havan e Luiza Trajano, do Magazine Luiza (Magalu), e  outros bilionários também fazem parte desse grupo. Veja lista abaixo.
Além de serem também investidores, eles usaram a premissa mais básica do capitalismo selvagem: acumulação de capital. E vêm fazendo isso desde 2012, ampliando seus leques de negócios, baseados em vendas e ganhando as fatias de mercado de segmentos menores.
É um processo, conforme explica o economista, muito comum em tempos de crise e por isso, nesses períodos, as pequenas e médias empresas desaparecem ou perdem quase todo o seu mercado, enquanto as grandes se consolidam.
Paralelamente, no caso do Brasil, a indústria vem perdendo sua força desde a Operação Lava Jato”, e agora, na crise, perde ainda mais espaço. Não havendo produção nacional, a indústria apresenta queda, o nível de emprego baixa e enquanto isso, as redes varejistas seguem vendendo os importados.
“O grande varejo ganha mercado vendendo produtos importados. E como consequência, cai o nível de emprego no comércio e as condições de trabalho ficam precarizadas”, diz o economista para explicar que a produção local fica comprometida.
Ele ainda alerta que, mesmo que acabe a pandemia, e voltem as condições econômicas parecidas como antes do novo coronavírus, o varejo vai gerar muito menos empregos do que antes.
A oferta de trabalho, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Continua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), caiu em cerca de 11 milhões de postos de trabalho este ano. “Nas condições atuais, quando voltar, chegaremos rapidamente a 20% de desemprego”, completa o economista.

Os dez mais ricos do Brasil

  1. Joseph Safra: R$ 119,08 bilhões (setor financeiro)
  2. Jorge Paulo Lemann: R$ 91 bilhões (bebidas e investimentos)
  3. Eduardo Saverin: R$ 68,12 bilhões (internet)
  4. Marcel Herrmann Telles: R$ 54,08 bilhões (bebidas e investimentos)
  5. Carlos Alberto Sicupira e família: R$ 42,64 bilhões (bebidas e investimentos)
  6. Alexandre Behring: R$ 34,32 bilhões (investimentos)
  7. André Esteves: R$ 24,96 bilhões (setor financeiro)
  8. Luiza Trajano: R$ 24 bilhões (varejo)
  9. Ilson Mateus: R$ 20 bilhões (varejo)
  10. Luciano Hang: R$ 18,72 bilhões (varejo)

Capitalismo selvagem

Ao mostrar a sua verdadeira essência, de acumulação de capital a qualquer custo, o capitalismo também escancara as características de brasileiros que vivem no topo da pirâmide da economia.
Vemos que os setores dominantes estão em uma bolha e ficou claro que para eles que o lucro está acima da vida. “É como se a máscara tivesse caído, no que diz respeito à forma de relações sociais”, critica o economista.
“O pessoal do dinheiro que tem caráter escravocrata, anti-reformista social, mantém seus lucros e posição na sociedade a qualquer custo, mesmo que seja quebrando instituições e regras’, afirma Costa Pinto.
Ele diz ainda que fica cada vez mais claro que a meritocracia é ‘falácia e instrumento de dominação ideológica’.
“Um Uber é um trabalhador, não um empresário e não ficará milionário dessa forma”, analisa.

A mão do Estado                                                       

Eduardo Costa Pinto alerta também que para a economia do Brasil sobreviver, investimentos públicos são fundamentais, a começar pela revogação da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos (EC nº 95), pela necessidade de ampliar a participação do Estado na economia do país.
“Não há na história do Brasil nenhum período em que tenha sido a iniciativa privada que tenha alavancado investimentos. Pelo contrário. É sempre o investimento público que puxa o privado. Basta ver o que fez o governo Lula investindo em empresas públicas, em especial a Petrobras e os resultados que trouxeram para o país em geração de emprego e renda e crescimento da economia”, conclui o economista da UFRJ, Eduardo Costa Pinto.