ELITISMO CULTURAL

Fim da meia-entrada em São Paulo prejudicará estudantes mais pobres no acesso à cultura

Políticos e ativistas culturais afirmam que projeto aprovado na Assembleia Legislativa paulista (Alesp) não resultará em redução de preços de eventos

Daline Ribeiro/UNE

UNE afirma que a meia-entrada é uma garantia de acesso ao lazer para os jovens mais pobres

Redação RBA

São Paulo – A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou, na última quarta-feira (27), um projeto que pretende acabar com a meia-entrada no estado. O texto de autoria do deputado Arthur do Val (Patriota-SP) é criticado e considerado prejudicial para os jovens mais pobres.

O projeto que busca o fim da meia-entrada ainda precisa ser sancionado pelo governador João Doria (PSDB-SP) para começar a valer. Nas redes sociais, jovens, parlamentares e entidades estudantis criticaram o projeto de lei. Segundo a União Nacional dos Estudantes (UNE), é um “absurdo gigante” que, durante um período no qual aumentam as desigualdades no Brasil, seja aprovada mais uma proposta que retira direitos dos estudantes.

“O direito à meia entrada em eventos culturais é uma conquista histórica dos estudantes e essencial para garantir que todos tenham acesso à formação para além da sala de aula. Não aceitaremos nenhum retrocesso no nosso direito à meia entrada, ela é essencial para garantir o acesso de milhões de estudantes à cultura e lazer“, publicou a entidade em suas redes.

A presidenta da UNE, Bruna Belaz, em entrevista ao UOL, afirmou que a meia-entrada é uma garantia de acesso ao lazer para os jovens mais pobres. “Lutamos pela garantia de acesso ao direito à cultura, principalmente da juventude mais pobre. Em São Paulo, a taxa de desemprego dos jovens é de 14% e precisamos garantir que possam ter acesso ao setor cultural, ao esporte”, defende.

Meia-entrada não aumenta valores

Arthur do Val argumenta em seu projeto de lei que os eventos aumentam seus valores para cobrir o desconto proporcionado pela meia-entrada. A partir do fim do benefício aos estudantes, segundo ele, os preços seriam reduzidos.

Por outro lado, o militante social e produtor audiovisual Caio Almendra diz que é mais provável que haja elevação de preços. Por meio do seu perfil, ele explica que eventos trabalham sob demanda e, sem a presença dos jovens, setores como o do cinema terão de aumentar os valores para compensar a perda.

“Porque meia entrada ajudava a garantir a lotação mínima que mantinha a sessão fora do prejuízo. Ajudava a vender horários que só estudantes conseguem efetivamente lotar, como a tarde. Ajudava a criar destaque no filme. Se forçarem mesmo um preço único, a tendência é o cinema tentar burlar de toda forma possível, criando ainda mais faixas de preços com requisitos esdrúxulos. Se não der, o preço vai aumentar mesmo”, disse.

O deputado estadual afirma também que a iniciativa visa igualar “estudantes ricos” a trabalhadores. “A empregada doméstica está pagando o cinema do jovem rico”, argumenta ele. Entretanto, o site do governo de São Paulo mostra que a maior parte do benefício de desconto é dedicado à rede de estudantes de escolas públicas e de baixa renda.

A ativista Tati Nefertari acrescenta que o argumento é “canalhice” e rebate a ideia de que o pobre paga o lazer do rico. “Primeiro, está preocupado com as empregadas domésticas? Apresente projetos que beneficiem elas. Segundo, os filhos delas também são estudantes e têm direito a pagar meia. Você acha que fim da meia entrada vai prejudicar acesso de gente rica que tem dinheiro? Do estudante playboy que ganha carrão aos 17 anos? Não vai. Eles tem dinheiro pra acessar esses espaços”, afirmou.

Projeto deve ser vetado

A deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) também se opôs ao projeto de lei que acaba com a meia-entrada. Ela chamou o texto de “mais um retrocesso bancado por ideias atrasadas na Alesp”. “A aprovação do PL 300, que propõe uma falsa ideia de ‘meia entrada’ para todos quando, na verdade, não garante que os valores serão realmente reduzidos, mas apenas padronizados novamente, tem o nosso total repúdio”, tuitou.

A deputada estadual Erika Hilton (Psol) afirma que o projeto é inconstitucional, por contrariar uma lei federal, e não será sancionado pelo governo Doria. Na noite de ontem (28), o presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), disse que o texto será vetado e classificou sua aprovação como “equívoco”.

“Eu acho que foi um equívoco aprovar um projeto desses, porque existe uma lei federal que regulamenta, o estado não pode regulamentar esse tipo de benefício ou não”, disse ele à TV Globo . “Tenho certeza que a procuradoria jurídica do Palácio vai determinar o veto desse projeto de lei.”

A meia-entrada para estudantes existe em São Paulo desde 1992, iniciativa do então deputado Jamil Murad, do PCdoB. A lei garante que alunos paguem metade do valor em eventos educacionais, artísticos, culturais e esportivos, como museus, salas de cinema, teatros, espetáculos musicais e partidas de futebol.

Por Redação RBA