QUEIMOU. E AGORA?

Saiba como e onde reclamar quando seu eletrodoméstico queimar nos picos de energia

A onda de privatizações tem piorado e muito os serviços prestados pelas empresas privadas de energia no Brasil. Oscilações são comuns e brasileiros são prejudicados. Veja onde reclamar

ARTE: EDSON RIMONATTO/CUT

Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz

Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz

As reclamações contra a má qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de energia elétrica no Brasil têm aumentado nos últimos anos a medida em que aumenta o ritmo de privatizações dessas companhias. O Estado vende as distribuidoras a empresas privadas sabendo que elas que priorizam o lucro, sucateiam a manutenção de equipamentos, demitem trabalhadores experientes e cobram mais caro pela energia paga pelos consumidores.

O resultado são oscilações ou falta de energia durante dias, como vem ocorrendo em Porto Alegre,  em cidades do Nordeste, do Norte – no Amapá, um apagão deixou a população vários dias no escuro – e em São Paulo.

E nesses picos, são frequentes os casos de eletrodomésticos danificados, assim como computadores e outros equipamentos. Para se ter uma ideia, a média de preços para reparo de circuitos queimados em um monitor de computador, é de cerca de R$ 260,00. Mas os picos de energia após problemas na rede, além de portáteis, como um secador de cabelo ou um liquidificador, cujos preços são menores, podem estragar também televisores, máquinas de lavar, fornos micro-ondas e geladeiras. E aí, o prejuízo é maior.

Muitos consumidores deixaram pra lá e não reclamam, outros nem sabem que têm direito de ser ressarcido pelas empresas.

O PortalCUT ouviu uma advogada especialista em direito do consumidor sobre o que ele tem direito, a quem recorrer, como fazer para não ficar no prejuízo.

Queimou. E agora?

A advogada Glaucia Costa sócia do escritório LBS Advogados orienta que o primeiro e mais imediato passo ao constatar o dano é registrar em fotos ou vídeos. Portanto, se após a queda da energia, ao voltar, você ligar a TV e ela não funcionar, filme ou fotografe a situação. Isso poderá servir como prova na hora da reclamação à operadora.

Glaucia afirma que é direito do consumidor ser ressarcido em seu prejuízo nestes casos. Ela cita a resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Enel), n° 414/2010 (que foi reformulada recentemente se tornando a resolução n° 1000/2021), que traz as regras sobre os direitos dos consumidores em relação aos contratos de energia elétrica.

“A resolução é clara sobre o passo-a-passo que se deve tomar. Lá estão todas as informações sobre como proceder, incluindo detalhes importantes”, ela diz.

Esses passos, explica a advogada, são essenciais.

1 –  Entrar em contato com os canais de atendimento da operadora para informar o problema. “As operadoras, de acordo com a resolução, são obrigadas a manter canais de comunicação, seja por telefone, pelo site ou por aplicativos. Até mesmo os presenciais”.

2 – Informar o fato com riqueza de detalhes. “É importante dizer o dia e a hora exata em que energia teve oscilação ou interrupção, a hora do retorno da energia, detalhes também sobre o equipamento, o que foi danificado, se queimou, se está falhando e será necessário provar que o equipamento é seu”.

3 – Ter a nota fiscal. “O consumidor nunca deve jogar fora a nota fiscal tanto para provar que o eletrodoméstico ou equipamento é dele como para ter a exata avaliação sobre o valor do bem”.

4 – Fazer a reclamação o quanto antes. “O prazo, de acordo com a resolução, é de 90 dias a partir do fato. Então se falou energia, e depois voltou, ao meio-dia de ontem, o prazo já começou a contar. São 90 dias, então não é aconselhável deixar para depois”.

E depois?

A partir da reclamação, a operadora tem 10 dias para dar uma resposta ao consumidor. Isso significa que ela tem a obrigação de analisar o caso e informar sua decisão – se vai ou não ressarcir. Para isso, é praxe a operadora enviar um técnico para avaliar os danos do equipamento.

Glaucia reforça que não é obrigação do consumidor provar que o dano foi causado pela oscilação, mas deve explicar, conforme os passos já citados. Já a empresa fica obrigada a provar que não houve oscilação para se eximir de culpa, ou ainda que o aparelho foi danificado por outra causa, como uma queda, por exemplo.

“A própria resolução já diz que a empresa tem que indenizar, ou seja, é uma defesa para o consumidor, afirma a advogada.

Depois de constatado o dano ao consumidor, ainda de acordo com a resolução, há quatro maneiras para a indenização

1 – Conserto do equipamento

2 – Substituição por aparelho igual, equivalente e de mesmo valor

3 – Ressarcimento em dinheiro

4 – Créditos em contas futuras

“É importante saber que a forma de indenização deve ser boa para ambas as partes. Na maioria dos casos, não é bom negócio, por exemplo, dar em créditos nas contas de luz, um valor de uma televisão que custa dois mil reais. Já se for um objeto barato, como um liquidificador de R$ 80, pode ser conveniente”, observa Glaucia.

Caso a empresa imponha uma das formas e que não esteja ‘do agrado’ do consumidor, pode-se judicializar o caso. O consumidor, neste caso, terá de recorrer à Justiça.

Detalhe importante é que se o consumidor já mandou consertar o aparelho danificado, ele deverá apresentar à operadora dois orçamentos. Ou seja, é preciso consultar dois técnicos antes de fazer o reparo. E deverá também haver um laudo do dano feito por um profissional especializado.

Não está dando certo

Caso haja problemas neste processo de requerer uma indenização e o consumidor não se sinta satisfeito, o próximo passo é recorrer ao consumidor.gov.br. O portal serve como um painel de avaliação de satisfação de empresas e como mediador de conflitos como esses.

“Ali você registra a reclamação, caso não tenha funcionado direto com a operadora. É importante até para levar adiante judicialmente, caso tenha de recorrer a esse meio”, explica Glaucia Costa.

Assim como Procon, o site não tem poder de decisão, ou seja, não pode obrigar a empresa a tomar a atitude, mas acaba expondo-as sobre seus problemas, exercendo assim uma pressão para que corrijam falhas que lesam os consumidores.

No entanto, o portal avalia somente as empresas que optaram por fazer parte desse sistema. Há empresas de vários segmentos como prestação de serviços, comércio, turismo, entre outras.

A boa notícia, diz a advogada, é que o índice de solução de problemas, também medido pelo site, é alto. No caso de operadoras de energia, chega a 70%. Mas como nem tudo é tão fácil, o site aponta que a aprovação do atendimento, é de cerca de 2,5%, em média, para essas empresas.

Queda de energia e produtos perecíveis

Os longos períodos de espera nos casos de apagões e blackouts também causam problemas aos consumidores.

Em Araraquara, no interior de São Paulo, por exemplo, há 15 dias, a queda de uma árvore sobre a fiação elétrica, após uma ventania, deixou vários quarteirões sem luz por cerca de 12 horas. Alegando alto número de chamadas, o que prova que as elétricas não têm efetivo suficiente para atender à população, somente após seis horas, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), que atende à região, enviou técnicos ao local para avaliar os danos. E lá se foram mais quase seis horas sem energia até que fosse reestabelecida. Este é apenas um caso.

Neste caso, o que ocorre também é a deterioração dos produtos acondicionados, por exemplo, na geladeira e no freezer. Imaginemos que o consumidor tenha a compra do mês estocada. São produtos como leite, carnes, ou mesmo aqueles já preparados para vários dias de consumo, medida adotada por quem precisa economizar no gás, que em média custa R$ 120, que, na ausência da temperatura ideal, estragam. “Não é um prejuízo pequeno e o consumidor também tem direito a ser ressarcido”, diz Glaucia.

Ela também dá como exemplo outros casos de prejuízos financeiros. “Eu sou palestrante e ganho para fazer eventos online. Se falta energia elétrica naquele determinado momento eu estou deixando de fazer meu trabalho e ser remunerada por isso. Neste caso, o caminho é recorrer à Justiça, mas de qualquer forma é um direito”.

Por isso, ela aconselha ao consumidor procurar um advogado para uma orientação exata para que provas e argumentos sejam reunidos e organizados de forma a embasar uma ação. “Tudo o que comprove que o consumidor foi lesado pode servir como uma prova. Um informativo do evento, um contrato de prestação e serviço, etc. E no caso dos alimentos, para que se chegue a um valor na ação de indenização, pode ser uma foto de celular com os produtos, inclusive das etiquetas de preço, para mostrar o quanto o consumidor pagou por aquilo”, ela explica.

De acordo como o Procon, “o Código de Defesa do Consumidor também ampara o consumidor em caso de prejuízos adicionais, como perda de alimentos estragados em decorrência da falta de refrigeração ou até mesmo na ocorrência de danos não materiais ou indiretos (por exemplo, o comprometimento da realização de um trabalho por falta de energia). Nesses casos, devem ser apresentados cálculos, orçamentos, relação de valores dos produtos ou alimentos estragados e todos os demais tipos de demonstrativos e documentos pertinentes, de modo a que se possa comprovar o alegado”. É o caso da sugestão de Glaucia Costa, de fotografar inclusive as etiquetas de preços, se houver possiblidade.

Não tenho a nota fiscal

Geralmente, quando a reclamação é feita no prazo e o técnico compareceu à residência para verificar o dano, quando o consumidor faz a reclamação em até 90 dias, a empresa não exige nota fiscal. Ainda assim é importante guarda-las.

Mas, no caso de não haver o documento, Glaucia costa explica que imagens que mostrem que o consumidor possui, de fato, aquele equipamento, podem ser consideradas, posteriormente, pela Justiça, caso a reclamação chegue a esse estágio. “Se você não tem a nota fiscal da sua televisão, você pode comprovar que ela sua com uma foto, por exemplo, de família, em que a TVT apareça”, diz a advogada.

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