Maioria das mulheres vai se aposentar aos 74 anos, se reforma do governo passar

Edson Rimonatto

Rosely Rocha - CUT Nacional

Estatísticas mostram que, por falta de emprego, as mulheres são as que menos conseguem contribuir com a Previdência. Por isso, a reforma de Bolsonaro é mais cruel ainda para elas
A proposta de Emenda a Constituição (PEC) nº006, da reforma da Previdência, vai prejudicar extremamente as mulheres. O texto encaminhado ao Congresso Nacional por Jair Bolsonaro (PSL) aumenta o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, impõe a obrigatoriedade de idade mínima de 62 anos para a mulher requerer a aposentadoria e diminui o valor do benefício.
Hoje, com 15 anos de contribuição e 60 anos de idade, a mulher recebe 85% do valor do benefício, calculado com base nos 80% melhores salários. Se a reforma for aprovada, elas receberão apenas 60% do valor do benefício, que será calculado com base em todas as contribuições, inclusive os primeiros e mais baixos salários.
O resultado da equação do mal de Bolsonaro e do seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, é trágico para a maioria das mulheres que, por ficarem mais tempo fora do mercado de trabalho, só vão conseguir se aposentar aos 74 anos de idade, segundo cálculos da professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil.
De acordo com a professora, as mulheres representam 15% do total de desempregados do país , enquanto a média geral do país é de 12,5%. Além disso, o desalento atinge mais as mulheres. 56% dos quase cinco milhões de desalentados do país – pessoas que desistiram de procurar emprego depois de muito tentar e não conseguir – são mulheres.
As mulheres demoram muito tempo para voltar ao mercado do trabalho e ainda recebem menos. Dificilmente elas conseguem poupar e contribuir além de 4,7 meses durante o ano. Isto significa que se a PEC de Bolsonaro for aprovada, as mulheres só vão se aposentar aos 74 anos, porque não vão conseguir contribuir mais 60 meses até chegar a idade mínima de 62”, explica Denise Gentil.
E é exatamente este o drama da jornalista Mari Angela Magalhães, de 56 anos. Divorciada e mãe de três filhos que, mesmo contando com o auxílio do ex-marido para as despesas dos filhos, só conseguiu contribuir com o INSS por 14 anos, por falta de uma recolocação no mercado de trabalho com carteira assinada ou com salário decente.
Mari Angela que começou a trabalhar aos 16 anos com carteira assinada, sentiu na pele o preconceito do mercado do trabalho. Após o nascimento do primeiro filho quando tinha 23 anos, praticamente deu adeus ao emprego formal.
“O mercado de trabalho coloca as mulheres com filhos à margem. Não são os filhos que dificultam porque trabalhei muitos anos como PJ [pessoa jurídica], dando nota fiscal, quando me deram oportunidade de mostrar o meu trabalho. Mas, mesmo assim, o mercado prefere nos dar subempregos, evitando o pagamento de direitos trabalhistas”, diz.
Ela reconhece que dificilmente conseguirá contribuir por mais seis anos para se aposentar, sofrendo o preconceito, agora, da idade. “Até aqui contribui com muita dificuldade, mas não sei se conseguirei pagar ininterruptamente mais seis anos. Além disso, ainda existe a possibilidade, se a reforma passar, eu perder no mínimo 25% do valor do benefício”, critica.
A dificuldade da mulher em conseguir um trabalho e os obstáculos para que ela contribua com a Previdência também é criticada pela secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista. Segundo ela, a mulher, é colocada à margem do mercado de trabalho por que além dos filhos, é ela quem cuida dos doentes e idosos.
“A mulher nunca se aposenta com o mesmo tempo de trabalho do homem. Ele consegue ter uma atividade produtiva por um tempo maior, sob o ponto de vista do capital, que não reconhece, que, na verdade, o trabalho reprodutivo das mulheres contribui, e, muito, com o PIB [Produto Interno Bruto]”, ressalta Juneia, que considera a reforma da Previdência mais cruel ainda para com as mulheres.
De acordo com ela, aos 74 anos ou aos 62, a mulher já estará cansada da dupla jornada. Vai precisar mais de medicamentos, não vai ter tempo de aproveitar a sua vida. E se a cartilha do ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, for implantada “vamos retroceder muito na agenda de proteção social da classe trabalhadora e das mulheres”. A única saída, diz a dirigente, “é se mobilizar, se organizar, parar o país no dia 14 de junho, dia da greve geral que a CUT e as outras centrais estão organizando contra esta reforma.”
A injustiça e a crueldade da reforma da Previdência para com a população, e em especial para com as mulheres, também é motivo de desabafo da jornalista Mari Angela Magalhães, que trabalhou a vida inteira, mas, que agora, quando mais chega perto da idade de se aposentar, mais distante fica deste objetivo de todos os trabalhadores. O pior, diz ela, é que a reforma vai economizar em cima da classe trabalhadora, não tem um item sequer que puna os grandes sonegadores. Não tem nada de combate a privilégios, como eles dizem.

Se as empresas devedoras do INSS pagassem suas dívidas e a reforma da Previdência atingisse o Judiciário, os militares e o Executivo, se de fato ela fosse justa, não estaríamos pagando essa conta. Essa reforma é totalmente injusta

– Mari Angela Magalhães

Reforma é cheque em branco ao governo e ao Congresso Nacional
A impossibilidade da mulher se aposentar aos 62 anos com 240 meses de contribuição não está sendo considerada pelos deputados, que preferem desconhecer as estatísticas do mercado, acredita a professora de economia da URFJ, Denise Gentil. Para ela, a reforma da Previdência é um cheque em branco dado à classe política, que ainda não definiu itens que afetarão o bolso da classe trabalhadora.
“O governo não apresentou os dados do impacto da reforma, nem para as mulheres, nem para os homens. A reforma é um cheque em branco para deputados e senadores, porque muitos parâmetros serão definidos por leis complementares, como alíquotas, base de cálculos, entre outros. Estaremos à mercê daquilo que o governo Bolsonaro quer impor em leis posteriores”, alerta a economista.