Todas as vidas valem! “Correios” não protegem e ameaçam de demissão trabalhador que se negar a arriscar vida

arte: Alex Capuano/CUT

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Representantes dos sindicatos de todo país alertam aos trabalhadores do grupo de risco que continuem em casa, porque orientação da categoria continua valendo para evitar a proliferação do novo coronavírus

Publicado: 27 Março, 2020 – 08h50 | Última modificação: 27 Março, 2020 – 09h16

Escrito por: Érica Aragão

arte: Alex Capuano/CUT
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Mesmo com casos de infectados  pelo novo coronavírus (Covid-19) e morte suspeita entre a categoria, a Empresa de Correios e Telégrafos e Similares (ECT) continua expondo seus trabalhadores e trabalhadoras ao vírus em todo país, denunciam sindicalistas.
A empresa não oferece a quantidade de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) necessária, ameaça com demissão e até corte de salários dos trabalhadores que estão afastados porque se enquadram no grupo de risco, como os maiores de 60 anos, com doenças crônicas, cardiovasculares e gestantes.
O uso obrigatório de EPI para os trabalhadores e às trabalhadoras que continuam exercendo suas atividades laborais e se expondo ao novo coronavírus é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde e foi ressaltado em documento assinado pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect).
Os Correios disseram em seu jornal interno que a empresa iria cumprir as orientações desses órgãos e que a partir desta semana forneceria os equipamentos, mas isso não aconteceu, segundo a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do Distrito Federal e Região do Entorno e Diretora Executiva da CUT Nacional, Amanda Gomes.
“Primeiro a empresa, em carta, só orientou a lavar a mão com sabão, sendo que muitas unidades nem tem esse sabão líquido e até agora não chegaram equipamentos, como máscara, álcool em gel, sabão para lavar as mãos e luvas, necessários para garantir o cuidado dos trabalhadores e da sociedade”, disse.
A dirigente explica que, além disso, é preciso que os produtos sejam fornecidos de forma individual e não coletiva, como tem acontecido.
“É preciso ter um álcool em gel, máscara, luvas e sabão para lavar as mãos para todos os trabalhadores, mas os carteiros, por exemplo, precisam do EPI de forma individual e portáteis para garantir a proteção de fato”, afirmou Amanda.
É um descaso, diz a dirigente, afirmando que já teve uma morte suspeita na categoria em São Carlos, interior de São Paulo e um caso confirmado na capital.
Caso confirmado na categoria
O carteiro do Centro de Distribuição Domiciliária (CDD) Vila Maria, em São Paulo, Maurisio Pereira da Silva, que testou positivo para o novo coronavírus e se encontra isolado por orientação médica para não espalhar o vírus, teme pelos colegas.
“Sem proteção os carteiros acabam sendo agentes transmissores, porque andamos nas ruas, de transporte público, temos contato direito com a população, oferecemos caneta para assinatura de protocolos, acabamos sendo contaminados e podemos contaminar sem nem sabermos”, afirmou Maurisío, que complementou: “A nossa vida é nosso maior patrimônio e isso não é político, nem religioso e nem pessoal é em defesa da vida”.
Proteção do sindicato é para todo mundo
O Secretário-Geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), José Rivaldo da Silva, disse que a reivindicação do mínimo de proteção está sendo feito para todos, desde o atendentes comercial, que ficam em balcões atendendo o público, os operadores de triagem e até os que tratam as cargas que vão para todas as unidades do Brasil.
“A gente está numa briga grande com o General Floriano Peixoto [presidente da ECT] que insiste em ir na mesma linha do governo Bolsonaro de não estar preocupado com os trabalhadores e com as vidas e sim com a economia”, afirmou o dirigente, se referindo ao discurso de Jair Bolsonaro que, em rede nacional, disse que o novo coronavírus não passa de uma “gripezinha” e afirmou que tudo tinha que voltar à normalidade para não prejudicar a economia.
Depois do polêmico discurso, a categoria começou a ser ameaçada, mesmo assegurada pela ação judicial dos sindicatos da categoria que pediu o afastamento dos trabalhadores do grupo de risco.
Diversos gestores de Unidades de Centro de Distribuição Domiciliária (CDD) enviaram comunicados dizendo que iriam cortar salários e benefícios dos trabalhadores e das trabalhadoras afastados, que assinaram a Autodeclaração de Saúde por serem do grupo de risco. Isso causou medo e retornos antecipados destes trabalhadores.
O motorista e diretor da Federação Nacional dos Trabalhdores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), Mizael Cassimiro da Silva, foi um dos que assinaram o documento para pedir a quarentena porque tem asma crônica, agora está ainda mais preocupado com a ameaça.
“Quando fomos assinar o documento não falaram dos descontos e além disso muita gente pode chegar a receber metade de um salário mínimo. É o mesmo que tirar a dignidade de quem não quer arriscar a vida para ir ao trabalho”, afirmou Mizael, que durante a entrevista estava fazendo curso online da Universidade dos Correios, uma exigência da empresa para os que optaram pela quarentena.
Amanda disse que se os Correios fizerem descontos nos salários o sindicato vai “entrar com uma ação judicial e impedir esta crueldade contra os trabalhadores”.
“O presidente da ECT, General Floriano Peixoto, vai na mesma linha de Bolsonaro e escolheu salvar a economia ante a vida porque não acreditam em ciência, nos médicos, governos e especialistas de todo o mundo e preferem seguir suas conveniências”.
Trabalhadores do grupo de risco devem continuar em casa
Rivaldo contou que a Fentect já está trabalhando para poder minimizar essas ameaças e vão entrar na justiça. Ele afirmou que alguns estados já entraram com liminares, que proíbem a redução do salário e o corte dos benefícios dos trabalhadores e das trabalhadoras que se encontram em casa por serem do grupo de risco e que a tendência é nacionalizar.
“A gente já está discutindo através de denúncias com Ministério Público Federal e o órgãos judiciais do trabalho para garantir este direito ao grupo de risco e cobrar do Estado a sua responsabilidade”, afirmou.
Fique em casa!
O Secretário-Geral do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos e Similares, Halisson Tenório, preocupado com os ruídos de comunicação que estes comunicados podem causar, enviou, na tarde desta quinta-feira (26) um áudio no WhatsApp para toda categoria dizendo que a negociação feita entre empresa e sindicato, que os trabalhadores e as trabalhadoras de risco fossem afastado, continua valendo, e é para continuarem em casa!
“Quem assinou a Autodeclaração afirmando a necessidade e se encontra em casa, permaneçam!”, afirma o diretor com um tom de preocupação. “É perigoso, companheiros e companheiras”, continuou: “Nós do sindicato estamos de olho no documento que fala sobre os descontos e o corte de benefícios, mas permaneçam no isolamento assim como está no Hora Extra”, ressalta Halisson, se referindo ao jornal interno dos Correios.
Demissão também foi cogitada
O Diretor Executivo do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos de Campinas (Sintectcas) e também carteiro há 25 anos, Moisés Gonçalves da Silva, o Edinho, disse que os gestores também estão dizendo que quem se negar a trabalhar por não ter os equipamentos pode ser demitido.
“Os sindicatos estão orientando a quem não receber os EPIs a não exercer suas atividades e agora fomos surpreendidos com esta ameaça de que podemos ser demitidos e ainda por justa causa se a gente se negar a arriscar nossa vida”, afirmou.
Serviço essencial
Sobre o Decreto 10.282/2020, assinado por Jair Bolsonaro, de que os serviços postais estão entre as definições de essenciais para o país, Amanda disse que entende muito bem isso e afirma que sempre disse isso, inclusive na luta contra a privatização da estatal. O que ela critica é até onde essa essencialidade pode chegar.
“Se prestarmos só serviços essenciais importantes, como a distribuição de medicamentos, de testes e de tudo que garanta o bem estar e saúde da sociedade e dá para reduzir o número de funcionários, e desse jeito não colocar em risco a saúde da população e de seus trabalhadores”, disse Amanda.