Mandetta

Cúmplices, Bolsonaro e Mandetta ajudaram a debilitar a saúde do país

Rede Brasil Atual

Como ex-deputados e hoje membros do mesmo governo, Bolsonaro e Mandetta responderem por medidas que fragilizaram a economia e o sistema de saúde do Brasil

Antonio Cruz/ABR

Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o vice-presidente, Hamiltom Mourão, durante lançamento do programa Médicos pelo Brasil
 
São Paulo – Quem acompanha o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, desde meados de março, quando foi confirmada a primeira morte por covid-19 no Brasil, supõe tratar de uma figura técnica dentro do governo de Jair Bolsonaro. A ponto de combater a pandemia, apesar das rusgas com o chefe, que insiste em descumprir recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da própria pasta.
Mas não é bem assim. Mandetta não foi escolhido para o cargo por ser médico ortopedista e assim conferir um verniz científico à área mais importante do governo. Mas por ser um político de perfil ideológico conservador, alinhado com o que há de mais atrasado no país e acreditar que a saúde é um luxo para poucos, os que podem pagar. E o fato de ser um deputado federal integrante da bancada ruralista, historicamente apoiadora de Bolsonaro, facilitou as coisas.
Deputado federal de 2010 a 2019 pelo DEM do Mato Grosso do Sul, Mandetta pensou como Jair Bolsonaro na maioria das votações mais importantes do Congresso, segundo o Mapa de Votação da Câmara e do Senado 2015 a 2019, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Ambos votaram favoravelmente à redução da Emenda Aglutinativa 16, de autoria dos deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e André Moura (PSC-SE), que reduziu a maioridade penal de 18 para 16 anos. A norma tramita agora no Senado como PEC 115/2015.
Também foram favoráveis ao PL 4.567/2016, que desobriga a Petrobras de participar como operadora de todos os blocos de exploração de petróleo na área do pré-sal. Desde então a estatal perdeu a prerrogativa de participação mínima de 30% nos consórcios formados para exploração de blocos licitados no regime de partilha de produção.
No papel de operadora, a Petrobras poderia definir as tecnologias a serem empregadas, proporcionando aumentar a produtividade e a remuneração pelo excedente de óleo – movimentando uma imensa cadeia produtiva nacional, revertendo em ganhos para a saúde e educação. Mas foi conduzida pelo parlamento a favorecer as petrolíferas estrangeiras.

Farinha do mesmo saco

Bolsonaro e Mandetta votaram também favoravelmente ao PL 6.787/2016, da “reforma” trabalhista, que derrubou direitos, ampliou as possibilidades de terceirização e pejotização, a criação de novas formas de contratação, especialmente o autônomo exclusivo e o intermitente. A “reforma” restringiu ainda o acesso à Justiça do Trabalho, retirou poderes, atribuições e prerrogativas das entidades sindicais, universalizou a possibilidade de “acordos” sem a proteção da lei e autorizou de negociação direta entre patrões e empregados para redução ou supressão de direitos.
Não satisfeitos com essa redução de direitos – que não criou empregos e só agravou o cenário de informalidade e trabalho precário –, ambos compõem o mesmo governo que apresentou a Medida Provisória do “contrato de trabalho verde e amarelo” – MP 905, que a Câmara aprovou ontem, agrava a redução de direitos sob a mesma desculpa de baratear o custo do trabalho para criar empregos.

Menos saúde

Mas o projeto diretamente mais danoso ao sistema de saúde que a dupla ajudou a aprovar foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, convertida na Emenda Constitucional (EC) 95. Criticada por sindicatos, organizações nacionais e internacionais e movimentos sociais, a EC 95 congela investimentos da União da área social por 20 anos e colocando em risco a sobrevivência do historicamente subfinanciado SUS, conforme anotaram ex-ministros da Saúde em carta entregue durante a 16ª Conferência Nacional de Saúde.

Passados quatro anos de vigência, a EC 95 revela-se um obstáculo para a reação à pandemia da covid-19. O orçamento federal da saúde perdeu aproximadamente R$ 30 bilhões, sendo 20 bilhões apenas no primeiro ano de Bolsonaro presidente e Mandetta ministro. Segundo dados do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o financiamento caiu drasticamente em comparação às receitas federais. E a aplicação de recursos para saúde foi de 15,77% da receita corrente líquida da União em 2017. Considerado o mesmo percentual como parâmetro, em 2019, a aplicação de recursos em saúde teve R$ 20 bilhões a menos.
Por essa razão, o CNS e dezenas de outras organizações ligadas à defesa dos direitos humanos, saúde, educação e segurança alimentar, entre outros, têm reforçado a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) para que declare a inconstitucionalidade da EC 95. Senão, como garantir hospitais de campanha, leitos adicionais e de UTI, mais equipamentos e a contratação e treinamento de profissionais de saúde em tempos de epidemia se os recursos já são insuficientes para o básico?

Menos médicos

O então deputado Mandetta estava radiante com o golpe contra Dilma Rousseff. (Foto: Reprodução Twitter)

Em 2013, o então parlamentar do DEM era só críticas à Medida Provisória 621, que naquele ano criou o programa Mais Médicos. Queixava-se em todos os cantos, em todas as mídias, dos termos do acordo com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), e da contratação dos médicos cubanos, que, segundo ele disse em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), “macula a legislação brasileira”.
Havia críticas também à dispensa da revalidação do diploma dos profissionais formados no exterior, normalmente feito por meio do Revalida. Durante a vigência, os médicos cubanos médicos atenderam 113 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios – a maioria em localidade para onde profissionais se recusavam a ir – e concederam cobertura médica permanente a 60 milhões de brasileiros.
No começo de agosto, o já ministro da Saúde não viu outra saída senão lançar “seu” programa Médicos pelo Brasil, em substituição àquele criado pela presidenta Dilma Rousseff (PT).
Seu edital não previa a contratação de profissionais cubanos, entre outras mudanças. Mas as coisas não saíram conforme os planos. E com o avanço da covid-21, o jeito foi apelar aos cubanos – que Bolsonaro prometeu “enviar a Guantánamo” com sua canetada. Foram abertos dois editais para contratação de intercambistas que permaneceram no Brasil mesmo após o rompimento do acordo de cooperação com o governo cubano, em novembro de 2018.

Menos atenção básica

O governo foi marcado por sucessivos ataques aos direitos logo em seu primeiro ano (veja quadro a seguir). E logo veio uma medida que afetou em cheio o financiamento da atenção básica, capaz de grande resolutividade justamente pelas ações preventivas e promotoras da saúde.
Em novembro, o Ministério da Saúde baixou a  Portaria nº 2.979, que introduziu uma série de mudanças de grande impacto nas políticas de atenção primária à saúde, especialmente na questão do financiamento. Até então, o financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde (APS), que inclui as unidades básicas de saúde, era calculado pelo número de habitantes. Com a mudança, o custeio passou a ser considerando a população cadastrada na equipe de Saúde da Família (ESF) e na equipe de Atenção Primária (EAP) no Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab).
Dessa maneira, por exemplo, um município como Maceió, que tem apenas 26% de cobertura pela Saúde da Família, vai deixar de receber pela sua população inteira. Os repasses serão calculados a partir da cobertura da Saúde da Família. Garantida constitucionalmente, a participação social na gestão do SUS foi desrespeitada.
Em resposta, a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara, com apoio do Conselho Nacional de Saúde (CNS), começaram em fevereiro uma série de debates que deveriam percorrer o Brasil. Segundo os críticos da medida, a portaria rompe os princípios de universalidade, equidade e integralidade do SUS.

Defesa dos agrotóxicos

Muito discreto no plenário da Câmara e nas comissões especiais, segundo colegas parlamentares, Mandetta sempre foi fiel à causa e interesses do agronegócio e dos ruralistas da bancada à qual pertence. Fidelidade, aliás, que transcende o fato de chefiar o Ministério da Saúde.
Em audiência na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, em outubro passado, ao lado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também do DEM-MS, como Mandetta, o ministro da Saúde defendeu o que seria impensável para um ministro que deveria atual em prol da saúde da população brasileira: a liberação de centenas agrotóxicos pelos governo Bolsonaro. Em 2019, foram liberados 474.
Para surpresa dos presentes, ele manifestou confiança na qualidade do controle e fiscalização da Agência Nacional de Vigilância à Saúde (Anvisa) e demais órgãos. “Estamos dando os passos com a segurança necessária para o momento e procurando proteger cada um dos consumidores. Nós não temos nenhum elemento para questionar, duvidar ou achar que existe algum complô contra a saúde pública brasileira”, disse.
O controle e fiscalização da Anvisa para agrotóxicos no qual o ministro confia não deve ser o mesmo que, há duas semanas, realizou uma manobra para alterar o prazo para a proibição final de um agroquímico extremamente perigoso, o paraquate.

Contando com a omissão do ministro Luiz Henrique Mandetta, o governo de Jair Bolsonaro descontrói políticas com impactos diretos na saúde pública. E mostra que o desprezo pela vida é anterior à covid-19. E foi nesse contexto de fragilização do sistema de saúde – em que pese o posicionamento correto de atualmente em relação a orientações internacionais e suas rusgas com Bolsonaro – que a pandemia do novo coronavírus encontrou o Brasil.

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