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Queda na renda de 68% dos entregadores por aplicativo motiva greve da categoria

Pesquisa da Unicamp revela que dobrou o número de entregadores que trabalham mais de 9 h por dia para receber um salário mínimo. MPT faz campanha de conscientização sobre os riscos durante pandemia

Roberto Parizotti

Rosely Rocha, da CUT

Os entregadores por aplicativo estão trabalhando mais horas e ganhando cada vez menos, desde o início da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). É o que mostra uma pesquisa feita por sete integrantes da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) da Unicamp. 
A pesquisa constatou uma piora muito significativa nas condições de trabalho, no aumento da jornada e queda na remuneração e ainda tem o fato de que a grande maioria dos trabalhadores está arcando com os custos da prevenção à pandemia, já que as empresas estavam oferecendo aos trabalhadores apenas informações sobre procedimentos sanitários, mas nenhum tipo de subsídio material para proteção.
Sobre remuneração, o levantamento online mostra que 68,9% dos entregadores tiveram queda de ganhos durante a pandemia. Os que ganhavam em torno de um salário mínimo (R$ 1.045,00) antes da pandemia eram 17%. Agora essa proporção dobrou (34%). Ou seja, 1/3 desses trabalhadores ganham até um salário mínimo por mês.
Antes da crise do coronavírus 51% dos entregadores afirmavam ganhar acima de dois salários mínimos (R$ 2.090,00). Hoje, este índice baixou para 26,7%. Quem dizia ganhar acima de 4 salários mínimos (R$ 4.180,00) eram 9% e caiu para 3%.
“São dados muito impressionantes porque quanto mais alta a remuneração maior é a queda proporcionalmente, e conforme fomos analisando os dados começou uma série de manifestações dos entregadores para a realização de uma paralisação, o que confirma fortemente todos os nossos resultados”, diz Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, uma das autoras da pesquisa que ouviu 252 trabalhadores do setor em 26 cidades entre os dias 13 e 20 de abril.
O aumento da carga horária também foi detectado pelos pesquisadores da Unicamp. 62% dos entregadores afirmaram trabalhar mais de 9 horas por dia durante a pandemia. É neste contexto de sobrecarga na jornada que se encontra Robinho, que trabalha das 8 horas da manhã até às 10 da noite para levar para casa cerca de R$ 2.500,00 por mês, já descontados os gastos com combustível e manutenção da sua moto.
Ele que prefere não ser identificado por temer represálias das empresas, diz que foi bloqueado pelo IFood há quatro meses “por mau uso do aplicativo”, mas acredita que o real motivo foi por ter circulado um vídeo em que ele pede melhores condições de trabalho.
“A gente não pode nem se defender porque as empresas não disponibilizam um número de telefone pra gente, só tem um chat, que nada resolve. Já tive clientes que cancelaram o pedido e a gente fica com o prejuízo”, reclama.
Aos 39 anos, casado, pai de quatro filhas de 19, 13, 9 e 6 anos, ele que é gasista (instala e converte aparelhos a gás) encontrou na profissão de entregador uma forma de sustentar a família há dois anos, já que não encontra trabalho fixo e com carteira assinada.
Robinho percorre as ruas da capital de São Paulo com medo de ser contaminado pela Covid-19, por não ter nenhuma assistência de saúde das empresas Uber e Rappi, para as quais trabalha.
”Eu tenho uma filha pequena e sei dos riscos que corro, mas tenho de levar o pão e o leite pra casa. Quando chego deixo minha roupa na laje, uso máscara e álcool em gel, mas as empresas deveriam oferecer equipamentos de segurança decentes, não só álcool em gel e uma luva ‘sem vergonha’ como fazem”, diz o entregador.
Outras reclamações da categoria, que pretende fazer uma paralisação no próximo dia 1º de julho são em relação à falta de assistência médica, alimentar e o baixo valor das corridas.
“Há três meses fraturei um dedo da mão num acidente, e mesmo assim continuei trabalhando pra levar o sustento pra casa. Fiquei com o dedo torto porque não tive nenhuma assistência médica das empresas”, conta.
Além da falta de assistência médica, o valor do pagamento, em plena pandemia, está caindo. Segundo Robinho, as empresas tiveram aumento de 15% no número de pedidos por entrega, mas não repassam nenhum reajuste. Ao contrário, os valores das corridas têm caído quase que diariamente. Já não existe preço fixo.
“As empresas fazem propaganda dizendo que estão apoiando a gente, mas não repassam um centavo. Cobram R$ 1,00 no valor de um prato para os clientes e não oferecem um prato de comida, nem um vale pra quem está na rua. É uma incoerência, a gente entrega comida e não tem o que comer“, critica o entregador.
MPT faz campanha em prol dos entregadores de aplicativos
Baseado na pesquisa da Unicamp e nas denúncias que recebe diariamente da precarização do trabalho da categoria, que o Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT/SP) com apoio da própria Unicamp e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA /ONU), lançou uma campanha em vídeo, de conscientização da população sobre os riscos que os entregadores por aplicativo correm de serem contaminados e contaminarem outras pessoas pela Covid 19. 
O projeto, que veiculou três de cinco vídeos, reúne relatos de ciclistas e motoqueiros que passaram a trabalhar com os aplicativos depois de perderem o emprego com carteira assinada. Eles falam do medo de contrair a Covid-19 e contam a história de familiares com quem dividem moradia e que pertencem aos grupos de risco do coronavírus.
“Percebemos a necessidade de mostrar à sociedade que as empresas por aplicativos não atendem aos objetivos de sustentabilidade preconizados pela ONU, que tem em sua agenda o trabalho decente com crescimento econômico”, afirma Carolina De Prá Camporez Buarque, procuradora do trabalho e Vice Coordenadora Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do MPT.
A atuação do MPT não fica apenas na campanha de conscientização, o órgão ajuizou ações na Justiça contra todas as maiores empresas por aplicativo, UberX, Rappi, Ifood, LalaMove Brasil, entre outras, pela precarização do trabalho dos entregadores. Outras ações contra empresas menores estão em fase de investigação e posterior ajuizamento na Justiça. As empresas ajuizadas recorreram com liminares e a próxima fase será audiências de conciliação.
“A investigação do MPT demonstrou que essas empresas não cumprem as condições de saúde e segurança, há trabalhadores adoecendo por causa do aumento excessivo da demanda. Sempre é bom lembrar que expor esses trabalhadores ao contágio expõe toda a população que cada vez mais requisita esse tipo de trabalho por entrega”, diz a promotora do trabalho.
A pandemia expôs o pouco caso dessas empresas com a segurança dos seus trabalhadores. Não há local para higienização, treinamento e suporte  econômico em caso de contaminação.

Os entregadores por aplicativo estão carregando a sociedade numa moto e numa bicicleta. Eles não têm assistência médica, de saúde, direito a ficar doente, nem a uma alimentação decente

– Carolina De Prá Camporez Buarque

“As empresas atuam onde tem um nicho e muitas vezes atendem sem ter um profissional sequer na sua área. E a gente não consegue ter o número de trabalhadores nesta situação porque as empresas não fornecem, e consequentemente, por falta de controle, esses trabalhadores acabam desorganizados porque não são enxergados”, conclui a procuradora do trabalho.
Como denunciar
O Ministério Público do Trabalho tem uma ferramenta para denúncias contra empresas de entregas por aplicativo. Quem denunciar pode pedir o sigilo dos seus dados. É só entrar no site  https://mpt.mp.br/ e clicar no ícone “Denuncie”.
Escrito por: Rosely Rocha, da CUT