Suspeição de Moro

Nunes Marques desmoralizado, Cármen Lúcia decisiva e Estado de direito preservado

Na opinião do ex-ministro Eugênio Aragão, novato do STF “argumentou pelo ‘garantismo’ de Moro”. Para criminalista Luiz Fernando Pacheco, Nunes Marques foi fiel a Bolsonaro.

DIVULGAÇÃO (PT), SECOM/ STF

Eduardo Maretti, da RBA

Escrito por: Eduardo Maretti, da RBA 

O julgamento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que decretou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro tem importância histórica e jurídica. Restabeleceu parâmetros morais corroídos pelo caráter policial da força tarefa da Lava Jato, como enfatizou o ministro Gilmar Mendes. Com a anulação dos julgamentos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de os processos serem remetidos à Justiça Federal de Brasília, tudo terá começar do zero, já que os inquéritos da “República de Curitiba” se tornaram “imprestáveis” (inválidos), no jargão jurídico.

O julgamento foi retomado nesta terça-feira (23) e terminou em 3 a 2 pela suspeição de Moro, após Cármen Lúcia retificar o voto que, ainda em 2018, tinha dado a favor do ex-juiz. Com isso, foi da ministra o voto decisivo, e não de Nunes Marques que, antes, havia votado em favor do ex-juiz. O ministro novato na corte havia pedido vista e interrompido o julgamento em 9 de março. Em seguida a seu voto de hoje, o presidente da Turma, Gilmar Mendes, que já havia se manifestado na sessão suspensa dia 9, pediu a palavra. Em uma longa fala, Gilmar Mendes desmoralizou a posição do “caçula” da corte.

Para o criminalista Luiz Fernando Pacheco Pacheco, a dura manifestação de Gilmar foi equivalente aos atos em que condenou em Moro. “Um voto que aponta fatos gravíssimos não pode ser suave. Foi um voto à altura das barbaridades cometidas em Curitiba pela quadrilha da Força Tarefa, que tiveram repercussão na história do país”, diz Pacheco.

Fachin: “a vaidade do vencido”

Já o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirmou à RBA que a postura de Fachin, relator da Lava Jato no STF, foi coerente com ele mesmo. “Ele coonestou (deu aparência de honestidade) os atos de Moro. Então, seu voto é compreensível, ao se proteger e à sua própria posição, já que abençoou todos os atos de Moro.” Por sua vez, Pacheco classificou a atitude de Fachin, ao pedir a palavra mesmo após o último voto, o de Cármen, e ainda falar longamente, de “ridícula”. “O que ele quer? Aparecer no Jornal Nacional? Ele foi vencido. Tinha que se recolher. Mas pediu a palavra para protagonizar. Só posso atribuir isso à vaidade do vencido. Quer aparecer como uma vítima que tentou fazer justiça, mas foi impedido pelos outros ministros.”

O ex-ministro da Justiça do governo Dilma considera que o voto de Cármen já era previsível, após as observações que ela havia feito anteriormente, como ao considerar “gravíssimo” a Lava Jato ter interceptado os telefonemas dos advogados de Lula. A manifestação foi ouvida durante o voto de Gilmar no dia 9 de março.

Cármen decide

O advogado Luiz Fernando Pacheco classifica a mudança de posição da ministra Cármen Lúcia, que virou o placar, como algo raro mas “louvável”. “Após ouvir os votos de Lewandowski e Gilmar, ela teve a grandeza de mudar o dela. Tem que ser destacada a grandeza de estar aberta ao livre convencimento e retificar o voto”, disse o advogado.

Não se pode avaliar o voto de Kassio Nunes Marques sem mencionar o de Gilmar. O experiente ministro refutou os argumentos do colega sobre o “garantismo” que deveria proteger Sergio Moro. O recém-chegado à corte também alegou que os áudios feitos por hackers, relativos à operação Spoofing, são ilegais e portanto não poderiam ter sido usados. “Kassio argumentou pelo garantismo do Moro. Só que quando um agente do Estado viola a lei, que garantismo é esse?”, questiona Aragão.

“Estamos diante de um julgamento histórico. E cada um passará para a história com o seu papel. Não há espaço para covardia”, rebateu Gilmar. “Por trás da técnica de não conhecimento de habeas corpus se esconde um covarde”, acrescentou, diretamente sobre Kassio Nunes Marques

Nunes Marques, fiel a Bolsonaro?

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello, que se aposentou, Nunes Marques proferiu um voto contra a suspeição de Moro que pode ser contestado tanto pela fragilidade jurídica como por eventual comprometimento político. “Foi uma decepção. O juiz tem direito de ter uma posição independente. Mas a decepção é pela baixa qualidade do voto. As condições formais que usou para refutar o HC estavam muito bem enfrentadas pelos outros ministros (exceto Fachin). Ele nem se deu ao trabalho de respondê-los. Parece que nem leu os votos dos colegas para dar o seu”, disse Eugênio Aragão.

Já Pacheco vê uma conotação política que, em sua opinião, justificou o fraquíssimo voto de Marques. “Parte da imprensa dizia que Bolsonaro e o bolsonarismo queriam ter Lula como adversário em 2022, até comemorariam essa possibilidade. Não concordo. A posição de Nunes Marques hoje parece um voto de fidelidade a Bolsonaro, para tentar impedir Lula de ser candidato. É uma leitura possível. Acho que Kássio foi fiel à indicação do presidente. E um juiz não pode ser fiel a nada, a não ser à própria consciência”, avalia o advogado.

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