Vendeu, não, deu

Governo do RS entrega estatal de energia por R$ 100 mil em leilão com proposta única

CEEE-Distribuidora foi vendida por um valor pouco acima do lance mínimo que era de somente R$ 50 mil

Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

CUT-RS

Pelo valor simbólico de apenas R$ 100 mil, pouco acima do lance mínimo de somente R$ 50 mil, o governo Eduardo Leite (PSDB) entregou, na manhã desta quarta-feira (31), a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-Distribuidora) do Rio Grande do Sul para o Grupo Equatorial Energia, único a apresentar proposta.

O leilão de privatização durou 10 minutos e foi realizado na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), com a presença do governador tucano e outras autoridades.

Governador quer agradar caciques do PSDB e mercado financeiro

“Leite fez questão de bater o martelo no leilão para simbolizar o seu compromisso com a venda do patrimônio público, se fortalecer como pré-candidato a presidente da República e agradar os caciques do PSDB e o mercado financeiro”, criticou o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci. A venda da estatal só foi possível após a alteração da Constituição Estadual, quando a base aliada do governador derrubou a exigência do plebiscito, acabando com o direito do povo gaúcho decidir sobre o futuro da empresa.

“Entregar por 100 mil reais uma distribuidora de energia, com arrecadação garantida, é doação. É beneficiar, não sei qual é o motivo, um grupo empresarial em detrimento do povo gaúcho”, denunciou em artigo a presidenta do Senergisul, Ana Maria Spadari. “O governador e os deputados estaduais de direita vão ter que responder também pelo futuro dos trabalhadores da CEEE e de suas famílias. São os responsáveis diretos pelas demissões, bem como a partir de agora pela qualidade da distribuição de energia dos gaúchos”, ressaltou.

Empresa vencedora do leilão está por trás de recentes apagões de energia

A holding é responsável pela distribuição de energia em estados do Norte e Nordeste e está por trás de recentes apagões que deixaram milhares de consumidores sem energia elétrica. O processo de transição para o novo acionista deve levar de 60 a 90 dias, sendo que vai abocanhar 1,6 milhão de clientes em 72 municípios gaúchos, incluindo a região metropolitana de Porto Alegre.

O leilão havia sido suspenso pela Justiça duas vezes, mas uma decisão monocrática do presidente de Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Voltaire de Lima Moraes, cassou a última liminar na noite de segunda-feira (29). Além disso, várias denúncias de irregularidades no processo de privatização foram protocoladas em órgãos de fiscalização e controle, mas ainda não foram apreciadas.

Fundado em 1999 para usufruir os negócios proporcionados pelo Plano Nacional de Desestatização de FHC, o Grupo Equatorial é tem entre seus acionistas a Squadra Investimentos (investigada pela CVM em operações de compra e venda de empresas), Opportunity (fundado por Daniel Dantas), o fundo de pensão canadense CPPIB e o empresário Jorge Paulo Lemann, dono da Ambev.

O complexo atende quase 10% do total de consumidores brasileiros e responde por 6,5% do mercado de distribuição do país. Atua no setor elétrico nos segmentos de distribuição, transmissão, geração, comercialização, além da área de telecomunicações e serviços. As empresas que fazem parte do Grupo são a Equatorial Maranhão, Equatorial Pará, Equatorial Piauí, Equatorial Alagoas, Geramar, Equatorial Transmissão, Intesa, Equatorial Telecom, Sol Energia e 55 Soluções.

Exigência para adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal

Realizar a venda da CEEE-D era uma das medidas exigidas pelo governo federal para que o Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. Além de condicionar a suspensão de pagamento de parcelas da dívida a privatizações das empresas dos setores financeiros, de energia e de saneamento dos estados, o governo federal exige medidas como corte de despesa com pessoal.

O governo do Estado argumenta que, se a venda não fosse efetivada, o passivo da empresa superaria os R$ 7 bilhões, o que poderia gerar riscos para o serviço prestado aos consumidores. Desse valor, cerca de R$ 4,4 bilhões são somente em ICMS. Esse imposto deixou de ser pago pelo próprio governo estadual. Vários municípios, como a de Pelotas, onde Leite foi prefeito, não pagam esse imposto.

Impediram realização do plebiscito

Para encaminhar a privatização, o governo Eduardo Leite (PSDB) enviou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para a Assembleia Legislativa, a fim de acabar com a necessidade de plebiscito para a venda da CEEE, da Sulgás e da CRM. A alteração foi aprovada por 39 votos favoráveis e 13 contrários, em segundo turno, em 7 de maio de 2019.

Só votaram conta os deputados do PT, PDT e PSol. Houve grande mobilização dos trabalhadores em defesa da consulta popular.

O governador chamou a entrega da empresa à iniciativa privada de “uma data histórica para o Rio Grande do Sul”. Ele destacou que a venda da CEEE-Distribuidora abriu um processo de privatizações.

“Logo em seguida teremos a venda da CEEE-G e da CEEE-T, da Sulgás, e no segundo semestre teremos concessões de estradas, já com modelagens sendo feitas também com apoio importante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”, afirmou.

Privatização significa serviços mais caros e demissões

Para o deputado estadual Edegar Pretto (PT), o governador, ao bater o martelo, “mostrou mais uma vez a que veio: acabar com o serviço público e o patrimônio do povo gaúcho”. Nas redes sociais, ele destacou que a privatização significa serviços mais caros, com elevação do preço da energia elétrica, e de pouca qualidade, além de demissões em massa dos trabalhadores.

“É lamentável que em plena pandemia, com vacinação lenta no Estado e colapso na saúde, o foco do governo gaúcho seja vender bens públicos. Todos os esforços deveriam estar concentrados para ajudar a população a passar por esse momento de crise, mas como diz o próprio governador, o ‘apetite político’ e empresarial é maior”, afirmou o deputado.

Escândalo

O vereador de Porto Alegre, Pedro Ruas (PSol), denunciou que o Grupo Equatorial recebeu um empréstimo do BNDES no valor de R$ 2,150 bilhões em janeiro deste ano com prazo de 20 anos para pagar. Para ele, o caso é um escândalo no melhor estilo das privatizações dos tucanos desde o governo FHC. “É entrega do patrimônio público patrocinado com dinheiro de banco estatal”, postou nas redes sociais.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que defende que água e energia não são mercadorias, considerou um escândalo a privatização “por míseros R$ 100.000,00”. Em manifestação nas redes sociais, recordou que a empresa compradora é responsável por apagões nas regiões Norte e Nordeste do país, como por exemplo no Piauí, onde 71 mil unidades consumidoras ficaram sem energia elétrica entre os dias 31 de dezembro e 3 de janeiro.

Para o MAB, “os governos estadual e federal seguem com o seu plano de entregar tudo o que pertence ao povo para a iniciativa privada, sem dialogar com a população e forçando enormes prejuízos ao estado e aos gaúchos e gaúchas”.

Escrito por: CUT-RS