Quem está morrendo na pandemia é a classe trabalhadora, diz Sérgio Nobre

Em entrevista a Breno Altman, presidente da CUT falou sobre as mobilizações durante a pandemia e a necessidade de reformas estruturais no sindicalismo

Roberto Parizotti

Camila Alvarenga-Opera Mundi

Escrito por: Camila Alvarenga-Opera Mundi

No programa 20Minutos Entrevistas desta sexta-feira (02/04), o jornalista Breno Altman entrevistou Sérgio Nobre, presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), sobre o movimento sindicalista no Brasil em tempos de pandemia.

Segundo ele, as principais bandeiras do movimento atualmente são a luta pela vacina e por um auxílio emergencial digno. “O nosso principal objetivo agora é a defesa da vida porque quem está morrendo na pandemia é a classe trabalhadora”, afirmou.

Outro fator que preocupa o movimento sindical é a destruição do sistema produtivo. Ele explicou que os pequenos fornecedores estão quebrando, o que, em consequência, afetará grandes empresas que dependem dos componentes que produzem. “Sem falar nos pequenos comércios que estão fechando porque não têm apoio financeiro. E apoio financeiro não é empréstimo, porque o dono do boteco não consegue pagar empréstimo”, exemplificou.

Diante desse cenário, o presidente da CUT lamentou não poder convocar grandes mobilizações por conta da pandemia. Neste momento, um dos principais instrumentos de luta dos sindicatos são as redes sociais, para divulgar informações e se aproximar da classe trabalhadora.

“O nosso principal desafio é melhorar a comunicação nas redes sociais. Principalmente pensando nas eleições de 2022. É muito importante derrubar Bolsonaro e, pela característica dele, vai ser uma eleição de baixíssimo nível, de muita baixaria nas redes, então temos que estar muito ligados ao nosso povo. Não sou otimista a ponto de pensar que, antes do meio do ano que vem, vamos poder fazer manifestações em massa para derrubá-lo antes disso”, argumentou Nobre.

O trabalho da CUT, entretanto, não se limita ao universo online. A Central vem percorrendo os bairros para poder conversar com a população, “porque não podemos mais atuar só no local de trabalho, boa parte da categoria não está lá, trabalha de casa”. Sem aglomerações, a organização leva carros de som para perto dos edifícios e conversa com as pessoas pelas janelas, pelos portões das casas ou mesmo nas portas das estações de metrô. 

“A saída para a situação que estamos vivendo tem que ser progressista, pela esquerda, e só o será se estiver sob nossa direção. Então precisamos fazer isso porque precisamos de legitimidade para dar essa direção quando surgir a oportunidade”, defendeu.

Desmonte do movimento sindical

A luta, contudo, fica cada vez mais difícil de se fazer, não apenas por conta da pandemia, mas por conta de todo o desmonte que vem sendo promovido pelo governo federal, desde 2016, a fim de enfraquecer o movimento sindical, como explicou Sérgio Nobre.

“A gente sabe que a classe trabalhadora só avança em direitos durante democracias. Quando você tem um governo que aplica golpe, o primeiro alvo é o movimento sindical e popular: inviabilizaram o financiamento da estrutura sindical”, disse.

A principal forma de financiamento sindical era por meio do imposto sindical, algo a que a CUT sempre se opôs, como explicou o presidente, “por ser algo imposto. Os trabalhadores devem financiar o sindicato por acreditar no projeto”. Porém, em 2017, com a reforma trabalhista, ele deixou de ser obrigatório. Em 2019, Bolsonaro proibiu o desconto em folha da contribuição sindical. E, em 2020, o Ministério do Trabalho proibiu órgãos federais de recolher o imposto. 

“A direita acabou com o imposto sindical, que a gente não quer de volta, mas não colocou outra coisa no lugar. Então a gente perde toda a capacidade de financiamento”, reforçou Nobre. “Estamos desde 2016 trabalhando em capacidade total e sem poder nos financiar, porque o sindicato não é como uma empresa. Nas crises, as empresas fecham, mas o sindicato tem que ativar toda a sua estrutura. Mas não é porque tiraram nosso dinheiro que vamos deixar de cumprir nosso papel”, garantiu.

Além disso, o presidente da CUT citou outras mudanças que foram feitas com a reforma trabalhista que enfraqueceram a luta dos trabalhadores e removeram direitos. A possibilidade de negociação individual dos trabalhadores com os patrões, a autorização da terceirização da atividade fim de empresas e a introdução de contratações generalizadas por tempo parcial foram alguns dos exemplos.

Para Nobre, todos esses fatores fazem com que a população brasileira esteja vivendo “uma tragédia”, mas “há uma luz no fim do túnel”. Segundo ele, o retorno de Lula está animando a população, “parece que a gente tem condições reais de uma vitória, de que ganhe alguém lúcido, com condições de governar o país”.

PEC 196

A nível institucional, a CUT luta por uma reforma estrutural dos sindicatos. Segundo Sérgio Nobre, o neoliberalismo, o mercado globalizado e as inovações tecnológicas fazem com que o modelo sindical criado em 1983 não dê mais conta de responder às transformações do mundo do trabalho.

Por isso, as seis principais centrais dos trabalhadores do país, junto com sindicatos do setor empresarial, estão construindo o Projeto de Emenda Constitucional 196, para introduzir um novo modelo sindical. Nobre detalhou os elementos fundamentais da reforma.

O primeiro deles é a introdução da liberdade sindical. Atualmente no Brasil,  existe a unicidade sindical. Isto é, não se permite a existência de mais de um sindicato de uma mesma categoria na mesma base territorial. A norma foi criada para evitar a pulverização sindical, que enfraqueceria a luta. 

“Parece contraproducente, mas a gente introduz essa medida apontando para a criação de sindicatos mais amplos e impedindo a criação de sindicatos por local de trabalho, justamente para evitar a criação de muitos pequenos sindicatos”, explicou o presidente da CUT.

Ele se posicionou contra a unicidade por ser algo imposto e não ser uma medida que efetivamente previne a fragmentação sindical: “Hoje temos 12.500 sindicatos e o maior problema é a baixa representatividade. Os sindicatos têm um alto custo, não tem efetividade, nem liderança”, argumentou.

Por isso, a PEC 196 também visa conferir mais representatividade para os sindicatos, de forma que as pessoas queiram financiá-lo, “porque luta e traz conquistas”. E, segundo Nobre, é mais fácil fortalecer sindicatos quando são menos e mais amplos, sem competir entre si. Nesse sentido, ele afirmou que a liberdade sindical reduziria o número de sindicatos.

A PEC também promove a autorregulação do sistema: “Não existe nenhum país no mundo onde o Estado interfira tanto no movimento sindical, interferem nas greves e como realizá-las. Isso é um absurdo. Propomos a criação de uma câmara, composta pelas principais centrais de maneira proporcional, que regule o funcionamento do sistema, regrando a criação de sindicatos, seus registros, como agir em períodos eleitorais, sem o Estado”, explicou Nobre.

Neste caso, o Estado seria considerado um empregador como outro qualquer. Fora isso, teria a função de mediador quando de interesse das partes em momentos de conflito.

O financiamento dos sindicatos nesse novo modelo é o único ponto ainda em discussão, segundo Nobre.

“Nos agrada a ideia da mensalidade e de uma contribuição de não associados que se beneficiam da atuação sindical. Ou seja, quando o sindicato traga uma conquista para o conjunto da categoria, independentemente de o trabalhador ser sócio, os que se beneficiam dela devem fazer uma contribuição. É o que chamamos de taxa negocial”, contou.  

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