NAS TELAS

Sem mencionar Bolsonaro, documentário escancara crimes do presidente na pandemia

Sob direção dos irmãos Eduardo e Lauro Escorel, filme tem pré-estreia na Mostra de Cinema de São Paulo a partir deste sábado; em novembro chega aos cinemas

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Cláudia Motta | RBA

Por Cláudia Motta | RBA

São Paulo – Vidas importam. A frase pintada no muro de um bairro periférico de uma cidade do Brasil está na imagem de abertura e é o fio condutor do documentário SARS-CoV-2 / O Tempo da Pandemia. Dirigido pelos irmãos Eduardo e Lauro Escorel, o filme reúne profissionais de saúde para falar do que foi, do que é e do que poderá ser a vida após o advento da covid-19. Em quase uma hora e meia, o que se assiste são histórias do empenho, do medo, do desespero e do fio de esperança que resta a quem lutou contra as mortes nessa guerra em que todos perderam. Com pré-estreia mundial na 45ª Mostra de Cinema de São Paulo, neste sábado (30), o doc chega em novembro ao circuito comercial.

As conclusões destacam a importância do Estado, do Sistema Único de Saúde (SUS), da ciência, do combate à desigualdade como os remédios para que todo o horror vivido desde março de 2020 seja sanado. E não volte. Mais que isso, sem jamais mencionar o nome de Jair Bolsonaro, o documentário escancara os crimes cometidos pelo presidente da República na pandemia. E crava a certeza de que um país e um povo não podem ser geridos por alguém assim.

Não são “comunistas” os que atestam a responsabilidade das ações e das inações de Bolsonaro nas mais de 600 mil mortes desde o início da pandemia no Brasil. São médicos responsáveis por hospitais privados renomados e profissionais de saúde de instituições públicas que relatam desde a surpresa com uma situação jamais vivida, à sensação de impotência diante da força do vírus. E elencam os tantos absurdos cometidos por Bolsonaro, que figuram também nos mais de 130 pedidos de impeachment do presidente. Ou no relatório da CPI da Covid que pede seu indiciamento.

Todos pela Saúde

O documentário é conduzido pelos relatos de integrantes do comitê gestor do Todos pela Saúde, grupo criado sob a liderança do diretor-geral do hospital Sírio Libanês, Paulo Chapchap, sob encomenda da Fundação Itaú para Educação e Cultura, que também patrocina o filme. O banco, que nos seis primeiros meses de 2021 lucrou R$ 12,9 bi, doou R$ 1 bi para a iniciativa.

Os diretores Lauro e Eduardo Escorel com o médico Drauzio Varella (Foto: Gustavo Michelin)

Participam o oncologista e escritor Drauzio Varella, o consultor do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Eugênio Vilaça, o ex-diretor-presidente da Anvisa (Vigilância Sanitária) Gonzalo Vecina, o ex-diretor presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS) Maurício Ceschin, o diretor-presidente do Instituto de Biologia Molecular (PR) da Fiocruz, Pedro Barbosa, e o presidente do hospital Albert Einstein, Sidney Klajner. Juntos, eles vão administrar o R$ 1 bilhão doado e decidir que medidas tomar com o objetivo de salvar vidas no auge da pandemia.

A esses depoimentos, são reunidas histórias emocionadas de sete profissionais que atuam na linha de frente do combate à pandemia em São Paulo e Manaus. As lembranças das mortes causadas pela asfixia no estado do Amazonas ainda tiram o sono dos trabalhadores da saúde. O pesadelo real é debitado na conta do governo federal que nada fez a não ser tentar prescrever medicamentos ineficazes que agravaram o quadro de mortes em todo o Brasil.

Erros e acertos

Os relatos do comitê gestor do Todos pela Saúde dão conta dos erros e acertos cometidos na administração desse vultoso recurso, que comparado aos R$ 250 bilhões destinados ao SUS anualmente dão conta do tamanho do desafio que é manter um sistema universal de atendimento em saúde. “O Bolsa Família (cujo investimento chegou a ser de R$ 33 bi ao ano em 2019) é uma pequena ajuda se comparado com o SUS”, afirma Drauzio Varella. “Isso que é distribuir renda”, afirma o médico, exaltando o sistema público.

O Todos pela Saúde, relatam os profissionais de saúde no documentário, levou aos rincões das cidades do Brasil equipamentos de proteção individual como máscaras, ventiladores mecânicos, cilindros de oxigênio, insumos necessários ao combate à pandemia. Também criou projetos para atender e tornar mais suportável a solidão dos idosos que tiveram de permanecer isolados nos institutos de longa permanência, mais conhecidos como casas de repouso.

O grupo também se orgulha do projeto que distribuiu mais de 110 mil oxímetros às equipes de saúde da família do SUS, Brasil afora. O equipamento que mede a saturação do sangue, fundamental no combate à covid-19, não era tradição da atenção básica e agora está incorporado.

Entre os insucessos, a ideia de utilizar as escolas que estavam fechadas no princípio da pandemia, para isolar doentes nas periferias onde o espaço nas casas não permitia essa separação. As pessoas, no entanto, não queriam ir. Queriam estar perto das suas famílias.

Mortes desnecessárias

As mais de 600 mil mortes atribuídas à covid-19 no Brasil poderiam ter sido evitadas. Os médicos apontam, em diferentes momentos dos seus relatos, tudo que deixou de ser feito. E o efeito disso na sociedade. A falta de uma comunicação eficaz sobre o vírus, as medidas de distanciamento social, o uso de máscaras. Nenhuma campanha governamental levou informação. Ao contrário, o presidente da República conspirou para desinformar, ora relativizando a gravidade da pandemia, ora recusando o uso de máscara e incentivando aglomerações.

A recusa à aquisição de vacinas condenou o Brasil a um atraso que tirou a vida de milhares de cidadãos. Uma estimativa dá conta de que o país teria capacidade de, num esforço concentrado, ter vacinado sua população em um mês “se tivesse projeto, plano para isso”. O resultado é uma nação mergulhada na dor, na recessão econômica, o segundo país do mundo em número de mortes.

A esperança, avisam os integrantes do Todos pela Saúde, é a ciência, a vacina, o respeito ao meio ambiente. Das pressões ecológicas vieram todas as crises sanitárias, ensinam. Ou seja, a vida e a saúde no Brasil correm contra o tempo. É urgente, alerta o documentário sobre a pandemia, entender que “o problema do outro é nosso problema”. O país precisa agir contra a desigualdade social que mata. “O vírus, e outros ‘vírus’ estão vencendo essa guerra… Não podemos entregar esse país desta forma. Isso não vai acabar bem.”

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