Medida Provisória 998/20: mais uma para a conta dos consumidores de energia elétrica

MP foi editada em setembro pelo governo Bolsonaro sob a justificativa de alterar regras do setor elétrico para reduzir tarifas de energia. Será mesmo?

Débora Piloni, com informações do GT Energia

A Medida Provisória 998/20, editada pelo presidente Jair Bolsonaro e publicada no Diário Oficial da União em 02 de setembro passado completa um mês. Pelo que tudo indica, o governo Bolsonaro com a ajuda da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), parecem buscar alternativas para transferir, o mais silenciosamente possível, os impactos da Covid-19 para as tarifas dos consumidores, sem comprometer os altos rendimentos das empresas do setor elétrico.
No decorrer da pandemia, diversos documentos foram produzidos sobre as medidas específicas adotadas para o setor elétrico, dentre elas, a operação de mercado (empréstimo) Conta-covid.
Criada pela Medida Provisória 950/20 e regulamentada pela Aneel, a Conta-covid viabilizou empréstimo de R$ 14,3 bilhões, em um pool de 16 bancos, em resposta aos impactos sofridos pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica em razão da alegada redução do mercado e do inadimplemento dos consumidores.
Esse montante será pago pelos consumidores nas tarifas de energia a partir de 2021 e ao longo de 5 anos por meio de encargo inserido na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Vale ressaltar que a CDE é um tributo cobrado mensalmente na conta de luz sob a justificativa de financiar incentivos e políticas públicas no setor elétrico.
Também é importante lembrar que, em 14 de julho passado, a diretoria da Aneel decidiu elevar em 26,6% a tarifa de transmissão para o ciclo 2020/2021, perfazendo valor total de R$ 34,9 bilhões. A agência reguladora considerou a entrada em operação de novas linhas e o encarecimento da energia proveniente da hidrelétrica Itaipu binacional por causa da alta do dólar. Este custo da transmissão foi incluído no empréstimo da Conta-covid e deverá provocar impacto médio de 3,92% nas tarifas.
Cada vez mais pesado aos consumidores. Contradição!
Segue em curso a 2ª Fase da Consulta Pública 035/20 Aneel que, desta vez, observará os reflexos da pandemia ao equilíbrio dos contratos de concessão das distribuidoras através da regulamentação do artigo 6º do Decreto nº 10.350/20 (que criou a Conta-covid).
Diz o artigo 6º, do Decreto nº 10.350/20:
“Art. 6º A necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão e permissão do serviço público de distribuição energia elétrica será avaliada pela Aneel em processo administrativo, mediante solicitação fundamentada do interessado, na forma do respectivo contrato de concessão ou permissão e da legislação aplicável”.
Assim, uma vez que as empresas fundamentaram pedido por recomposição do equilíbrio dos seus contratos, a Aneel avaliará agora, entre outras providências, a possibilidade de realização de uma Revisão Tarifária Extraordinária (RTE).
O conjunto do socorro às empresas ficará caro aos consumidores a partir de 2021 e por cinco anos.
Porém, a MP 998/20 foi anunciada como ação do Governo Bolsonaro complementar às medidas implementadas por meio da Medida Provisória nº 950/20 e que visava amenizar os impactos nas tarifas de energia elétrica dos consumidores.
Essa mesma MP 998/20 reserva recursos da Reserva Global de Reversão (RGR) e da CDE para atenuar aumentos tarifários para os consumidores das distribuidoras da Eletrobras recém-privatizadas. É o caso da Amazonas Distribuidora de Energia e da Boa Vista Energia, além das companhias de eletricidade de Alagoas, Amapá, Piauí, Rondônia e Acre.
A MP 998/20 estabelece que a contratação de usinas para a garantia do fornecimento de energia a ser coberto pelos consumidores do mercado regulado e livre.
Outro elemento da MP é que ela prevê a suspensão do fornecimento de energia elétrica por inadimplência de consumidores do Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o fim dos descontos para uso da rede aos novos empreendimentos de fontes de energia incentivada.
Existe também a discussão de que a União outorgue o contrato de concessão por 30 anos às empresas estaduais e municipais de distribuição, às quais deverão ser licitadas e privatizadas até junho de 2021.

Alienação de bens Eletrobras, aqueles que não são utilizados na produção, na transmissão e na distribuição de energia elétrica com autorização da Aneel

Angra 3:

Possibilidade de transferência à iniciativa privada (sócia minoritária), à exploração da usina nuclear de Angra 3 pelo prazo de 50 anos, prorrogável por mais 20 anos. Nesse ponto existem questionamentos sobre a constitucionalidade desta disposição, uma vez que pela Constituição Federal a exploração da energia nuclear é exclusiva à União.
Conforme noticiado pela Agência Câmara, a MP 998/20 “determina ainda a transferência para a União de todas as ações da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), inclusive as que estão nas mãos da iniciativa privada. As duas estatais, que hoje atuam como sociedades de economia mista (S/A), serão transformadas em empresas públicas vinculadas ao Ministério de Minas e Energia. A INB atua na mineração e beneficiamento de urânio. A Nuclep atua no desenvolvimento, fabricação e comercialização de equipamentos pesados para os setores nuclear”.
Em outras palavras, a MP não faz cessar o risco à soberania do país com a exploração da energia nuclear por parte da iniciativa privada. A MP segue em tramitação no Congresso em regime de urgência e recebeu 205 emendas.

ANEEL:

A agência reguladora, com base nos assuntos expostos na MP 998/20, iniciou quatro processos para dar andamento administrativo na discussão dos temas:
Processo: 48500.004937/2020-00
Assunto: Regulamentação do art. 1º da Medida Provisória nº 998/2020, referente aos recursos em projetos de pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética não comprometidos que serão destinados a modicidade tarifária.
Processo: 48500.004932/2020-79
Assunto: Regulamentação do art. 2º da Medida Provisória nº 998/2020, referente à extinção do pagamento dos empréstimos destinados ao custeio ou ao investimento a serem realizados por empresa controlada direta ou indiretamente pela União que tenha sido designada à prestação de serviço.
Processo: 48500.004935/2020-11
Assunto: Regulamentação do art. 3º da Medida Provisória nº 998/2020, referente à alienação, transferência a concessionários, permissionários ou autorizados do setor elétrico ou transferência à gestão da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União do Ministério da Economia – SPU/ME de bens e instalações encampados e desapropriados com recursos da Reserva Global de Reversão – RGR.
Processo: 48500.004934/2020-68
Assunto: Regulamentação do art. 7º da Medida Provisória nº 998/2020, referente à valoração da quantidade correspondente de energia elétrica pelo custo médio de potência e energia comercializada no Ambiente de Contratação Regulada – ACR do Sistema Integrado Nacional – SIN, para a composição das tarifas de energia elétrica que são calculadas para mercados que possuem sistemas isolados.
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A exemplo da discussão da Medida Provisória 950/20, que segue em tramitação, a Aneel parece estar sempre um passo à frente ao Congresso Nacional e querer implementar aceleradamente uma regulação que não está de todo encerrada, em assuntos que impactam diretamente o setor elétrico brasileiro.
É isso aí. Fique sempre informado.

A saída da crise é coletiva. O Sindicato é seu parceiro nessa luta!


Débora Piloni, com informações do GT Energia