Manobra

Governo federal quer antecipar recursos de estatais para bancar pacote de auxílios

Solicitação do Ministério da Economia pode deixar prejuízo para o futuro governo. Medida é de antecipação e aumento na participação de dividendos de estatais aos acionistas

Valter Campanato/Ag. Brasil

Redação CUT/Texto: André Accarini | Editado por: Rosely Rocha

Para garantir o recebimento de parte do que é destinado à União dos lucros das estatais, fortalecer o caixa e bancar as promessas feitas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ampliaram os valores do valor do Auxílio Brasil e do vale gás, e ainda distribuir vouchers para caminhoneiros e taxistas, ao custo de R$ 58 bilhões, o governo federal quer receber antecipadamente os dividendos que recebe de quatro estatais.

Para isso, o ministério da Economia, por meio da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento, pediu ao Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB) e Petrobras – que antecipem os repasses de dividendos aos acionistas e ainda aumentem a porcentagem desses recursos.

Outra questão que o governo pretende resolver é compensar a arrecadação perdida com a desoneração de tributos de combustíveis. Para especialistas em economia, a manobra, se efetivada, deixará o próximo governo a ser eleito em outubro deste ano, com mais um problema a resolver. 

“Essa antecipação seria uma captura de recursos que são transferidos ao longo do ano para, de forma antecipada, viabilizar a concessão dos recursos previstos na PEC”, explica o professor, economista e pesquisador, Marcio Pochmann.

O economista também ouvido pelo PortalCUT, Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que o governo quer é uma antecipação dos resultados que ainda estão por vir. “Quando a estatal anuncia o resultado de um período, ela paga daqui para frente. O que eles querem é que os dividendos que virão do próximo período, do próximo trimestre, no caso, sejam pagos agora”, ele diz.

Como é o pagamento dos dividendos

De praxe, os dividendos, em várias estatais, são transferidos a cada seis meses. Costa Pinto explica que não há uma regra que determine a periodicidade. “Basta ter em caixa”, complementa. A solicitação do governo é de que essa periodicidade seja de três em três meses e que seja de uma fatia maior dos lucros, para além dos atuais 25% – percentual mínimo exigido por pela legislação.

Como exemplo, ele cita a Petrobras. “A estatal vai anunciar o balanço do segundo trimestre e o quanto haverá de dividendos na próxima quinta-feira (28). O que o governo pede é que além do pagamento referente ao segundo trimestre, a Petrobras adiante os dividendos do terceiro trimestre”, ele explica, lembrando que este período começou em julho e termina em setembro

Um outro objetivo é entregar as contas, sem furar ainda mais o teto dos gastos ao final do mandato, ou como diz o ministro da Economia, Paulo Guedes, ‘entregar as contas no azul’, para agradar ao mercado financeiro. No entanto, essa ‘jogada’, se efetivada para os próximos trimestres, deixará uma herança ao próximo governo que não poderá contabilizar no orçamento do ano que vem os recursos antecipados.

Para Marcio Pochman, “é mais uma medida característica da atual gestão, a de não ter uma visão de médio e longo prazo”. Além disso, ele diz, a decisão mostra também “as dificuldades de financiamento do programa [a PEC do Desespero], que é de caráter emergencial e que está vinculada diretamente à questão eleitoral”. 

“O governo federal se transformou em uma espécie de pronto socorro, que opera só na emergência, que toma decisões imediatas”, diz o economista sobre a falta de plano de governo do atual mandatário e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes.

Contas no futuro

Na avaliação de Marcio Pochmann, o governo busca, com o pedido de antecipação dos dividendos, evitar um endividamento. “Mas, na verdade, isso já está acontecendo em função do aumento da taxa de juros pelo Banco Central para conter a inflação”, ele diz.

Com o aumento da taxa básica de juros, a Selic (13,25% ao ano), os gastos com o pagamento de dívidas públicas ficam maiores do que o previsto no orçamento federal. Além disso, diz o economista, não é possível saber o impacto que iniciativas desta natureza terão no futuro, já que, de certa forma, acabam, estimulando, por meio do gasto público, a ampliação do consumo.

“São medidas não sustentáveis do ponto de vista fiscal. O próximo governo terá dificuldades do ponto de vista orçamentário e deverá encontrar uam economia desanimada como vemos hoje”, diz Márcio Pochmann.

As respostas das estatais

De acordo com informações no Valor Econômico, o Banco do Brasil, que já repassa trimestralmente os recursos, respondeu ao governo negando a possiblidade do aumento na percentagem. A instituição repassa 40% dos lucros, valor maior que o exigido por lei (25%).

O BNDES já transferiu R$ 18,6 bilhões, referentes a uma reserva dos lucros de 2020 e 2021. A Caixa Econômica Federal está em processo de avaliação do pedido. Já a Petrobras afirmou à reportagem que a solicitação já constava na Política de Remuneração aos Acionistas. Informou ainda que houve pagamento de dividendos em 20/06 e 20/07 e que ainda não decisão sobre novos pagamentos para este ano.