Mal dimensionado

Nova metodologia do Caged pode inflar resultados de geração de empregos

Pesquisa inclui agora trabalho temporário como emprego gerado. Governo comemora mais de 400 mil novas vagas abertas em fevereiro, mas dados podem estar inflados, diz Dieese

Roberto Parizotti

Rosely Rocha | CUT

O ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, comemorou o resultado do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregado (Caged) , que apontou a criação de mais de 400 mil novas vagas de emprego no último mês de fevereiro, mas o que ele esconde é que a metodologia da pesquisa mudou.

Antes do golpe, em 2016, o Caged, que registra as demissões e admissões de trabalhadores, informadas pelas empresas, contabilizava apenas empregos formais, com carteira assinada e por prazo indeterminado. Depois da destituição da presidenta Dilma Rousseff (PT), passou a contabilizar também a nova modalidade de contratos, os intermitentes, legalizados pela reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP) e os aprendizes.

O contrato intermitente é contabilizado pelo Caged apesar de permitir que o patrão chame o trabalhador apenas quando precisar. Pode ser apenas nos fins de semana, por exemplo, ou quando a produção aumentar. O empregado não trabalha os 21 dias úteis de cada mês e pode ganhar menos de um salário mínimo por mês.

Em janeiro do ano passado, já sob o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), as empresas obrigatoriamente passaram a incluir no Caged os trabalhadores com contratos temporários. São vagas com períodos que costumam ser curtos e, portanto, podem ser extintas, mudando rapidamente o panorama do emprego no Brasil.

“Até 2019 a empresa não era obrigada a informar as categorias de trabalhos temporários. A obrigação tornou a pesquisa mais ampla, e não se pode comparar um ano com outro”, explica a economista e técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Rosângela Vieira.

“Por isso, que chamamos a pesquisa de Novo Caged”, completa.

A economista analisa que esses dados podem ter mais algumas imperfeiçoes por que, além da inclusão de trabalhos temporários, a partir do momento que as empresas informam a saída do trabalhador, ele está apto a receber seus direitos como seguro-desemprego, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e verbas rescisórias. O problema, segundo ela, é que muitas empresas podem ter falido e não registrado os desligamentos, por não terem condições de pagar os direitos do trabalhador.

” Esta é uma análise que precisa ser feita. Não temos condições de saber exatamente o número de empresas que faliram sem pagar os direitos do trabalhador. Mas temos percepção, de que , principalmente, no setor de serviços, centenas de empresas por todo o Brasil, fecharam as portas e parte não teve condição financeira de arcar com o pagamento das verbas rescisórias”, diz .

Quando a categoria tem um sindicato forte é possível monitorar e cobrar dos empresários os direitos do trabalhador. Mas em muitos casos isto não acontece e o trabalhador fica sem receber o que tem direito

– Rosângela Vieira

Outro ponto que pode comprometer a pesquisa, segundo a técnica do Dieese, é que os desligamentos podem ser inseridos no novo Caged 15 dias após a saída do trabalhador. Então a estatística de fevereiro pode aparecer nos dados de março.

“Os desligamentos podem estar subnotificados. Então o saldo de 401 mil novas vagas entre admissões e demissões no país pode estar mal dimensionado ”, afirma.

No quadro abaixo você vê a evolução do emprego formal no país, entre admissões e demissões, nos últimos doze meses, de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2021. De acordo com Rosângela, pelo quadro, é possível observar uma grande queda no número de vagas abertas, em dezembro de 2020 e a recuperação em 2021

Perspectivas para o mercado de trabalho

A pandemia, o ritmo lento da vacinação contra a Covid e o fim do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) podem mudar este panorama de abertura de vagas, mesmo com a mudança de metodologia no novo Caged, que incluiu os temporários.

Para a economista do Dieese, a melhora que teve ao longo dos dois primeiros meses deste ano pode ser creditada à chegada da vacina que aumentou a expectativa de recuperação da economia. O resultado de fevereiro não reflete o impacto que as empresas começam a sentir na segunda onda da doença, e com o ritmo lento da vacinação.

“Infelizmente, a segunda onda veio com força e isto traz uma grande incerteza para o empresariado”, diz Rosângela.

A economista alerta que o fim do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) em dezembro deste ano, que permitiu a redução de salários e jornadas e a suspensão de contratos, em troca de um período de estabilidade do trabalhador, dependendo do tempo em que houve o acordo, pode impactar negativamente o quadro do emprego no Brasil.

“ Quem tinha quatro meses, tempo máximo de estabilidade, com início em dezembro, perde agora em abril a garantia de emprego. Com a economia ainda em recuperação, não temos como afirmar que este trabalhador continuará empregado”, afirma Rosângela Vieira.

Salários em baixa

Um dado que chama a atenção é a média salarial que está sendo paga aos trabalhadores que conquistaram uma nova vaga de trabalho. O valor de R$ 1.727,04 está 4% menor do que em relação ao mesmo mês de 2020.  Nos últimos doze meses, o mês de abril de 2020 retratou a melhor posição, de R$ 1.928,40.

Confira no quadro a variação salarial dos últimos 12 meses

“O valor de fevereiro deste ano é menor do que fevereiro do ano passado. Se levarmos em consideração os reajustes da alimentação, do botijão de gás e dos combustíveis em geral, a situação do trabalhador está muito difícil”, diz.

Leia Mais: Alimentos sobem mais do que a inflação e reajustes salariais têm média negativa 

Resultado da PNAD Contínua diverge do novo Caged 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registra o volume de empregos formais e informais (o novo Caged é só sobre emprego formal), por isso há uma diferença nos resultados das duas pesquisas.

A última PNAD, divulgada no dia 31 de março, registrou uma taxa de desemprego de 14,2%, atingindo 14,3 milhões de pessoas no trimestre encerrado em janeiro. Este é o maior número de desempregados que o país registra desde 2012, início da série histórica. Um número conflitante com a euforia do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), em relação à pesquisa do novo Caged. 

Apesar de refletir tanto o mercado de trabalho informal como formal, a PNAD Contínua pode trazer também algumas inconsistências. Isto porque a pandemia obrigou os pesquisadores do IBGE a atuar por telefone.

“Uma coisa é o pesquisador bater à porta e perguntar se a pessoa está trabalhando, qual o último período com carteira assinada, se ele é trabalhador doméstico, se é por conta própria . Outra é perguntar por telefone, o que pode trazer problemas de compreensão durante a comunicação”, acredita Rosângela.

Dificuldades de acesso às pesquisas do governo

Chama a atenção dos pesquisadores a maior dificuldade que eles estão encontrando para obter dados das pesquisas do governo . Segundo Rosângela Vieira, antes o programa de acesso era fácil, agora para se obter informações, o pesquisador precisa ter um nível mais elevado de especialização e entendimento da informática.

“Agora é preciso rodar um software específico e não há mais um resumo do próprio governo sobre os resultados das pesquisas. Hoje as apresentações que o governo disponibiliza podem estar enviesadas devido às dificuldades de acesso às informações”, critica a economista do Dieese.

Outro fato incompreensível é a inconsistência no calendário da divulgação dos resultados das pesquisas. O resultado do novo Caged do mês de janeiro só saiu em 16 de março, o de fevereiro, em 30 de março, um atraso de dois dias.  A data de divulgação do mês de março do Caged está marcada, a princípio, para o próximo dia 28 de abril.

Escrito por: Rosely Rocha | CUT